sábado, 3 de abril de 2010

bebendo do antigo blog... abril/2006

Wednesday, April 26, 2006
Entrevista com Francesco Zigrino

No metrô há muita gente lendo livros. É uma platéia em potencial, curiosa, à procura de expressões culturais vitais para elas. Isso está na cara dos paulistanos

Carlos Biaggioli


O Portal da CPT foi conversar com Francesco Zigrino, ator e diretor italiano de teatro, que ano passado (15 anos depois de um trabalho desenvolvido na EAD Escola de Arte Dramática) voltou ao Brasil a convite da diretora Cida Almeida, que mantém na região do Jabaquara o CLÃ Estúdio das Artes Cômicas. O objetivo foi o de coordenar dois trabalhos junto ao G.E.C.A. — o Grupo de Estudos de Clowns Anômicos do Clã.


Portal da CPT — Como surgiu o seu interesse pelo teatro e as manifestações teatrais de rua?


Zigrino — Eu me formei em Bolonha, nos anos 70, quando Bologna trouxe para a Itália uma escola que formava, em nível teórico, pessoas que tinham interesse em arte, em música, em espetáculo. Eram professores famosos, brilhantes. Foi uma grande escola naquele momento, quando não se conhecia teatro antropológico, Grotowski, Kantorz, Peter Brook.
Fomos os primeiros a mexer com essas matérias. Depois me formei, do ponto-de-vista técnico, na escola de Lecoq e desenvolvi trabalho de clown, de commedia dell’arte e máscara neutra, são essas as coisas que me interessaram.
Já formado, tive uma companhia em Taranto, minha cidade, importante porto militar, siderúrgico, um lugar ligado ao trabalho operário. O sul da Itália ainda hoje sofre de atrasos impensáveis, na Europa do mercado, dos grandes capitais, do euro. O Sul sempre forneceu mão-de-obra para as Américas, a Austrália e para a Europa mais rica, como Alemanha, Suíça, França e Inglaterra.
Então, ou se imigrava ou se vivia (e ainda se vive) de pobreza, também cultural. Encaramos essa companhia em Taranto e os trabalhos eram sempre muito ligados a questões mais políticas — mesmo não encarando uma dramaturgia especificamente política.
Por exemplo, se raciocinava sobre "Sonho de Uma Noite de Verão", do Sheakespeare, como tendo uma tradição antiga representada pelo Puck, e que tem equivalência nas várias mitologias populares. Ele é sem dúvida um Saci Pererê! No sul da Itália têm, obviamente, duendinhos muito parecidos.
Se raciocinava sobre os artesãos, identificando-os como os operários. Se raciocinava sobre a loucura e se trabalhava com doentes mentais. Não era um trabalho diretamente maiakovskiano ou meyerholdiano, mas era um trabalho que tentava ligar o espetáculo à criatividade, à comunicação teatral, a temas que poderiam interessar e divertir a quem o fizesse, porque a companhia era aberta a pessoas que queriam se expressar desse jeito, tendo três profissionais à disposição: um organizador, um diretor e um ator- treinador.
Foi nesse sentido que sentimos a necessidade de procurar técnicas que a gente não tinha e, por sorte, achamos o melhor que a gente poderia ter, naquele momento e nos anos seguintes: a escola de Lecoq, que, como até hoje, formava clown, commedia dell’arte e linguagens que nos ajudaram a trabalhar nesses lugares.
Em seguida houve um encontro aqui com o Brasil, bastante casual, feito por meio de amizades, sem o intuito da procura, e aquilo dividiu um pouco a companhia. Eu decidi ficar aqui porque gostei. Muito simples. Fiz cursos da EAD, na ECA, na FAAP, em vários lugares e fiz também umas montagens, que na época não foram muito importantes, a não ser um "Pinóquio", que foi muito bem-sucedido.
Mas descubro agora, ao voltar depois de 15 anos, que existem clowns de muitos níveis, seja artístico, seja expressivo e seja de concepção política. Para estes, a expressão de trabalho de rua é com certeza uma das trilhas que lentamente se espalharam.
O teatro de rua sempre existiu e sempre vai existir, variando a depender de território e de artista. Obviamente são artistas soltos, que dificilmente se encontram, dificilmente pensam juntos. A história do "novo teatro de rua" da Europa não tem uma história muito mais comprida do que a que existe hoje em dia no Brasil e particularmente em S. Paulo.
Como qualquer coisa ligada a cultura, é claro que na Europa há uma possibilidade maior de expressão, porque tem mais dinheiro, maior organização e produção, tem interesse, tem festivais, encontros promovidos em várias nações e cidades. Isso facilita um conhecimento maior para um público que se encontra especificamente nessas manifestações e é um teatro de rua ligado algumas vezes à tradição, que pode ser à tradição de vender, uma das bases do teatro de rua, não é?
Tem um trabalho ligado a formas expressivas circenses, de bonecos, marionetes, a pesquisas às vezes muito modernas, surpreendentes. São cidades pequenas, então manifestações desse tipo não têm dificuldades para acontecer. Mas ali também é difícil viver de chapéu, dirferentemente, por exemplo, de Paris, com o Centro Cultural Pompidou, a praça lotada por clowns, commediantes dell’arte, malabaristas, bonecos, etc.
Aqui o que eu vi me surpreendeu e a primeira coisa que pensei foi o quanto falta de comunicação entre os artistas no sentido de uma elaboração política interna, seja para poder ter mais recursos e espaço, mas principalmente para se perguntar o que realmente se pode fazer, alcançar, tendo como objetivo um público-alvo, um público popular, muitas vezes um público sofrido.
Não percebi um concurso de idéias que buscassem uma teorização cultural e política — mas isso me parece que pertence ao Teatro paulista, em geral, não pertence só a esse setor. E se percebe também uma falta de vontade por parte de estudiosos, críticos e políticos da cultura de mexer nisso. É muito mais simples manter o teatro já existente, com os grandes dramaturgos, com a grande história do teatro brasileiro ou paulista, e nada mais que isso.
Tem que ser suscitada, principalmente nos intelectuais, uma colocação mais séria, um estudo e propostas que obviamente não podem surgir de clowns, malabaristas ou outros artistas que estão ganhando a vida com o chapéu no dia-a-dia, mas que tem um público potencialmente mais rico. Estes estão à espera de dramaturgias, de idéias, de políticas — e não só de recursos, que obviamente são a primeira coisa que passa na cabeça de qualquer artista.
Nessa temporada, aqui no Brasil, eu percebo que o que não existia, há quinze anos atrás, é hoje uma realidade bem importante. Isso é uma felicidade, porque estamos em S. Paulo, que é uma cidade do mundo, onde tudo se elabora muito velozmente, onde as coisas caem, são esquecidas. No metrô há uma quantidade impressionante de pessoas (de todos os níveis sociais) lendo livros. Talvez em Paris ou na Alemanha você ache isso, mas não é uma coisa normal no mundo. É uma platéia em potencial, interessada, curiosa, à procura do saber, de expressões culturais vitais para elas. Isso é uma responsabilidade de quem mexe com Cultura, porque é uma riqueza enorme e muito pouco satisfeita. Devem ser encontradas linhas políticas e intelectuais para evitar esse desperdício.


Portal — A Lei de Fomento ao Teatro utiliza verba público em pról da pesquisa teatral. Muitos grupos já foram contemplados. Como o senhor vê as leis de incentivo que vinculam verba pública a critérios mercadológicos?


Zigrino — Na Itália não existe uma lei para ao teatro, a não ser uma pequena lei, de 1990 — que está na mão do governo —, renovada anualmente, que não mexe com os critérios de escolha ideológicos, mas com as grandes categorias, como cinema, circo, teatro experimental, teatro para infância e juventude. São Paulo não está atrás nessas coisas.
Eu sinto que existe, no Brasil, um complexo de inferioridade absolutamente injustificável no que diz respeito a isso. Não se pode fazer paralelos. Hoje, no mundo globalizado, o Brasil não tem nada o que invejar a Europa em geral. Na lei italiana, por exemplo, o teatro de rua entra muito pouco. Há 20 anos que temos encontrado dificuldades em fazer entrar financiamentos para o teatro infanto-juvenil, que hoje é talvez o espaço de maior pesquisa, expressividade, novidades e de propostas culturais.
Antes disso, houve também dificuldades em ter um incentivo articulado para teatro de experimentação e de pesquisa. O que acontece lá — e é normal que aconteça, porque a história é diferente — é que as categorias teatrais (rua, bonecos, etc.) entenderam historicamente que devem se unir sob princípios de escolhas políticas para obterem seus financiamentos particulares. Mesmo porque, hoje, lá não existem essas leis de incentivo ligadas a impostos que aqui tem. As empresas particulares estão, há alguns anos, pensando nesse sentido. Nisso, vocês estão adiantados.
Mas a coisa boa que lá tem (e que precisa ser trabalhada por aqui) é um nível sindical que busque respostas mais atentas à esta captação de recursos e financiamentos. Os latinos, em geral, têm uma dificuldade em raciocinar cooperativamente. Essas categorias são fracas e, se houver determinação no sentido de dizer "esse é um trabalho para todos", as dificuldades e divergências têm que ser resolvidas internamente e as decisões devem ser lei para todos, um fronte único.
Esse nível não se consegue, com certeza, com uma mentalidade militar. É claro que sempre vai ter dificuldades e o ganho está no fato de o público poder ter acesso ao nosso trabalho. É essencial, portanto, que sejam organizados espaços nos bairros, manifestações do voluntariado próximas às paróquias, etc. Não é uma questão de dizer "eu mexo com oito bolinhas e mereço 10 reais a mais do que você". Isso não leva a lugar nenhum. Internamente deve se buscar um nível único, eficaz na busca de perguntas e na obtenção de respostas.


Portal — Há quase 4 anos, existe em São Paulo o Movimento de Teatro de Rua. O mesmo acontece também na Bahia e em Pernambuco, como em Brasília, Belo Horizonte e no Sul do país. A busca é de um pensamento único, dos grupos e artistas estarem se conhecendo, alinhando expectativas e levando à população uma ação unificada.


Zigrino — É isso. A consciência dos intelectuais no mundo inteiro (professores universitários, pesquisadores, críticos teatrais, dramaturgos) deve ser despertada para o fato de que já estiveram muito, muito, muito na vanguarda em outros tempos, no pós-guerra, nos últimos 40 ou 50 anos. Os intelectuais foram importantes, mas desapareceram.


Portal— A ditadura militar teve muito a ver com isso.


Zigrino— Na Europa é a mesma coisa. Essa é uma explicação local que se pode juntar com outras explicações. Hoje o intelectual é um cara que vai na televisão dar entrevistas sobre problemas espirituais ou psicológicos. Não quero dizer que isso não seja importante mas há temas que, no mínimo, são tão importantes quanto e não existem publicações, produções, adubo para eles.
Falta adubo para a Cultura. O artista é uma planta que nasce do adubo da tradição e de idéias que não podem ser só dele. Não há cabimento em um artista de rua não se comprometer em saber o que é historicamente a commedia dell’arte nos 500 ou nos 600, na França ou na Espanha. Uma forma de lhe trazer isso à consciência e alimentar com recursos sua alma e sua mente está em o intelectual buscar sistemas para que essas idéias possam ser passadas e usufruídas, consumidas, digeridas e cagadas pelos artistas.


Portal — Parece existir uma espécie de baixa-estima no artista de rua, ao crer que "não deu certo no palco italiano e só lhe resta a rua". Ou, pior: o público (até por falta de informação) o vê assim. Na sua opinião, qual é a importância histórica do Teatro de Rua para o teatro e para a formação do cidadão?


Zigrino — Em São Paulo é evidente que a maioria das expressões de teatro infanto-juvenil são entendidas por dramaturgos, diretores e atores como um "trampolim" — ao invés de uma especialidade. Para o teatro de rua é a mesma coisa. O teatro infanto-juvenil paulistano não merece nem 1 real, porque 95% dos espetáculos não são nem amadores, eu não vejo nem gente se divertindo, ali. Muitos amadores, principalmente no Brasil, no mínimo conseguem se divertir — seja com o novo ou com a tradição, com a pesquisa ou com o popular.
É óbvio que, em movimentos novos, a neblina é um fator. O teatro de rua sempre existiu em qualquer cultura, da mais primitiva à mais popular. Quando se diz "popular", se diz no sentido de "de todos". Se o Teatro de Rua é feito no centro, ao lado de uma feira, lá não está somente a empregada assistindo-o. Há um compromisso de roubar um sorriso ou uma alegria, mas também o de compartilhar um pequeno pensamento, uma pequena reflexão.
Há movimentos no mundo que mexem com coisas mais radicais. Augusto Boal é também Teatro de Rua e é uma coisa do Brasil no mundo, que existe há 10 mil quilômetros daqui, numa cidadezinha italiana de 4 mil habitantes que tem um núcleo de Teatro do Oprimido. Há especificidades de radicalismos, de políticas de verdade em Teatro de Rua. Os charlatães, os saltimbancos ou a expressão circense feita nas ruas é coisa que você encontra nos vasos da Antiga Grécia ou nos grafites do Antigo Egito. Sempre existiram.
Não é verdade que sejam coisa de só 10 ou 15 anos, aqui em S. Paulo. Muitos que vendem remédios ou goiabada, tanto no Anhangabaú ou num bairro longínquo, mexem com uma expressão comunicativa que é muito próxima desse teatro, que é a de produzir interesse sobre uma pomada ou um objeto. Aquele é um espetáculo de verdade, que tem um objetivo certo.


Portal — Cida Almeida considera o senhor como sua grande referência na pesquisa das máscaras da comédia. O que o motivou a trabalhar com o G.E.C.A.?


Zigrino — A Cida é uma das minhas alunas da turna de 1983, com quem eu tive uma maior aproximação. Naqueles anos, eu desenvolvia essas técnicas e, com mediação do Instituto Italiano de Cultura, eu cheguei à EAD, que reunia gente do Brasil inteiro. A Cida é de Salvador. Eu estava aqui com as técnicas do Clown e da Commedia dell’arte, que interessaram àquele momento, que procurava uma evolução no ensino acadêmico à partir de formas expressivas que proporcionassem comunicações teatrais direrentes das oficialmente acadêmicas.
Agora, quinze anos depois, me orgulha ver o trabalho da Cida, tnata generosidade colocada nesse lugar [o Galpão do Clã] é comovente. Mas também dá uma angústia. Eu percebo que existe o interesse de muitos em povoar esse lugar. Por isso passei quase 70 dias praticamente dormindo aqui, mexendo com essas pessoas. Dá raiva ver esforço e tanta generosidade quase jogados ao vento.
É uma outra geração, diferente da de 83, com outras características e outras forças. Hoje os governos não estão nem aí se a população está ou não está politizada; não interessa mais. Daí pra frente a dificuldade é enorme e o que se nota são pessoas que não sabem nem organizar um estudo para si. Percebo como a minha geração deixou de lado essa outra geração. Como não encaramos a responsabilidade sobre a geração subseqüente. Não chega a ser uma desonestidade da minha geração, mas um grande descuido.
Vamos ver! Não é fácil. As pessoas têm grandes dificuldades. Não é culpa deles, que esses amigos nunca tenham assistido "La Strada", do Fellini. Essa não é uma cidade fácil e a estrutura desse Clã não pode ser encarada por uma única pessoa. E outros espaços provavelmente estão nas mesmas condições. A generosidade, de um jeito ou de outro, tem que ser elaborada e acertada num plano mais organizacional

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Teatro de Rua no Percurso de um Ator


Recuperar a Rua como espaço de confraternização e comunhão talvez seja o grande desafio social do nosso século


Por João Carlos Andreazza
Bacharel em Artes Cênicas pela UNICAMP


Antes de falar propriamente do teatro de rua é preciso entender o conceito da rua tal qual a conhecemos hoje, um advento da modernidade que surge com as técnicas de pavimentação, como o solo de macadame.


A partir de então, ocorre uma revolução, onde não só a vida privada se transfere para esse ambiente, como também os grandes movimentos coletivos de transformação social acabam por utilizá-la como palco. Foi assim com a revolução russa, quando se viu as massas proletárias ao som da internacional comunista. Também foi na rua que aconteceram os desfiles grandiosos do Terceiro Reich.


Durante a Segunda Grande Guerra, os elementos dinâmicos da rua foram recombinados, e, então inertes, os carros transformaram-se em barricadas para o confronto com o poder.


Com o passar do tempo as ruas tornaram-se perigosos corredores de passagem. Recuperá-las como espaço de confraternização e comunhão talvez seja o grande desafio social do nosso século.


INÍCIO DE PERCURSO


Por volta de 1988 estudei, no curso de Artes Cênicas da Unicamp, aquilo que foi a grande inspiração em termos de linguagem para o desfio da rua: a Commedia dell'Arte. E com meu projeto de iniciação científica,intitulado "Um Estudo da Comédia do Renascimento Italiano", encontrei os primeiros caminhos de tal desafio.


Porém, a escassez de material sobre o assunto levou-me a uma peregrinação pelas bibliotecas de outros departamentos e universidades, e a longas e deliciosas conversas com a então professora-doutora Marlise Meyer, que começaram pela comédia palaciana, passando pelo Ruzante de Ângelo Beolco até chegarem a Commedia dell'Arte.


Não demorou muito e um projeto de extensão universitária foi proposto pela professora Neyde Veneziano, para a montagem da peça "Arlecchino", de Dario Fo, com os alunos do departamento de Artes Cênicas. Paralelamente, eu desenvolvia meu projeto de iniciação científica, pensando nos procedimentos da Commedia dell'Arte como recursos para a rua. Da união de alguns dos atores dos dois projetos surgiu o grupo de teatro Fora do sériO.


O FORA DO SÉRIO


O primeiro espetáculo de rua que nasceu com o Fora do sériO chamava-se "Aqui não, Pantaleão!". Sem dúvida, a grande fonte de inspiração foi a Commedia dell'Arte, com os seus quatro pilares de sustentação: as máscaras, o improviso, os dialetos e as bufonarias; mas também com seus atores que dançavam, cantavam, faziam mímicas e pantomimas, usavam várias técnicas circenses e tocavam vários instrumentos musicais. Seus tipos ou personagens-fixas, nas quais cada máscara era a personagem, qualificativa e significativa em si, representavam a sátira social dos tipos que surgiam com a formação dos primeiros núcleos urbanos.


O espetáculo "Aqui não, Pantaleão!", foi feito com todos estes ingredientes, mas já buscava algo mais que um resgate histórico deste estilo de representação, ou seja, uma releitura com transposições cabíveis para os dias atuais.


A questão da dramaturgia específica para a rua surgiu quando percebemos que, no decorrer das representações, alguns quadros retirados da literatura dramática voltada para o palco não funcionavam na rua. Precisavam de mais ritmo, de uma adaptação. Mesmo a transposição de algumas personagens-fixas para os nossos dias mostrou-se mais complexa do que imaginávamos a priori.


Apesar dos pesares, o "Aqui não, Pantaleão!" foi o carro-chefe do grupo Fora do sériO por muitos anos. Apresentamos dentro e fora do Brasil, sempre com um retorno maravilhoso do público que nos assistia.


A montagem seguinte foi um roteiro de Vladímir Maiakóvski,chamado "Mistério Bufo", onde utilizávamos a estrutura do teatro medieval, e o público era convidado a percorrer estações para acompanhar o espetáculo.


Em seguida, retomamos a Commedia dell'Arte com a adaptação para a rua do quadro "O Asno", de Dario Fo, no qual obedecíamos mais fielmente a estrutura original da Commedia, com seu telão ao fundo, a rua central em perspectiva e as casas nas laterais. A experiência com a Commedia dell'Arte forneceu aos atores a possibilidade de ampliar o repertório pessoal de cada um, além do exercício dos virtuosismos e talentos individuais.


A experiência seguinte foi a montagem do espetáculo "A Guerra Santa", um roteiro pensado para a rua, cujo argumento girava em torno de uma crítica bem humorada dirigida aos cultos religiosos, onde a crítica não era contra a religião e sim contra aqueles que da religião faziam negócios; agora não mais com o Fora do SériO, nem como ator, mas sim diretor. Este projeto foi desenvolvido junto à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
É claro que poderia somar a essas experiências inúmeras outras como: o contato com o YuyachyKani do Peru; o Galpão de Belo Horizonte; as palestras de Eugênio Barba; a criação do Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo e outras.


RAZÕES INVERSAS


Houve também uma experiência diferente, mas não menos importante, com a Companhia Razões Inversas. A montagem de uma adaptação do "Bodas de Sangue" de Federico Garcia Lorca, intitulada por nós como "Bodas na Mangueira", cujo fio condutor era uma música de um contemporâneo de Lorca no Brasil, Noel Rosa. Neste processo cada ator apresentou, em forma de workshop, uma possível leitura da obra, e a partir daí o espetáculo foi formatado pelo diretor Marcio Aurélio.


Todas essas experiências revelam o teatro de rua como escolha e não falta de opção.

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FAUSTO FUSER E AMIR HADDAD - Uma interessante discussão sobre o fazer teatral na rua

Por Nanda Rovere


"O teatro carrega consigo a possibilidade de transformação" (Amir Haddad)


"Há muito teatro feito na rua, mas isso não é conhecido, porque tais manifestações não têm apoio oficial, nem o apoio da mídia" (Fausto Fuser/Amir Haddad)


Fausto e Amir são importantes personalidades do teatro brasileiro. Fausto foi professor na área de Artes Cênicas na USP e crítico teatral. Amir é ator, professor, diretor e coordena o grupo Tá na Rua, excelência em teatro de rua. Pela primeira vez em seus quatro anos de existência, a Mostra Rio-SP de Teatro de Rua de Paraty abriu um espaço para debate sobre o fazer teatral na rua.


Não que ele não existisse nas edições anteriores mas, neste ano, a Casa de Cultura cedeu o seu auditório para um encontro "oficial" sobre o assunto. Fausto lançou uma pergunta muito pertinente: deve ser feito como alternativa para suprir a falta de espaços fechados para encenações? Na sua opinião, a resposta é negativa, pois "o teatro de rua possuiu uma linguagem própria, diferente das montagens apresentadas em salas de espetáculos".


O maior desafio dos realizadores do teatro de rua é buscar uma organização do imaginário que não seja contemplada pelo teatro tradicional. O professor também falou sobre as origens dessa manifestação teatral. Apresentações nas ruas sempre existiram nas festas em invocação à fertilidade, à vida, ao amor, ao nascimento, etc.


Seu início ocorreu entre as pessoas mais pobres, para depois estas manifestações serem apossadas pelos palácios, pela classe dominante. A exposição de Fausto foi pequena e ele logo passou a palavra a Amir Haddad, o qual, na sua opinião, detém o conhecimento prático sobre o teatro de rua.


Teatro de Rua por Amir Haddad

Amir faz teatro de rua por acreditar no ser humano, no futuro. Quer estabelecer com o público uma relação direta.

Defende que é impossível dissociar teatro de rua da nossa realidade social e política, na medida em que a função do teatro é contribuir para a obtenção de um mundo melhor.


O artista deve viver a utopia da possibilidade de transformação ao realizar um espetáculo. As questões (indagações) pertinentes ao fazer teatral na rua foram surgindo através da participação da platéia.


Certamente, um dos questionamentos mais interessantes foi quanto ao significado do teatro de rua hoje. Tanto para Fausto quanto para Amir, o dever das manifestações artísticas, sobretudos as de rua, é a democratização do diálogo e o abandono de qualquer tipo de preconceito. Para se trabalhar nas ruas é primordial a interação com qualquer tipo de grupo.


O estabelecimento de parâmetros técnicos de encenação é necessário, pois a linguagem do teatro de rua deve ser diferente da utilizada no teatro tradicional. Se, neste último, as pessoas pagaram ingressos e/ou planejaram o passeio, no primeiro, geralmente, o público é pego de surpresa. E como conquistar esse público? Estabelecendo um contato de respeito para com ele, mostrando um espetáculo que fale direto ao seu coração e, ainda, que busque a interação com pessoas diversas.


Quando a energia trocada entre atores e espectador é positiva, é maravilhoso. Mas como agir quando isso não acontece, ou mesmo quando a platéia interfere no andamento da ação dramática?


Amir deu um exemplo bastante ilustrativo:Numa apresentação do Tá na Rua em um favela carioca, uma das moradoras da comunidade (desprovida de encantos, conforme os nossos padrões de beleza) tentou beijar um dos atores que estava em cena. Ele não titubeou e a beijou! Com este ato, o Tá na Rua provou não ser somente teórico o seu discurso sobre a participação da platéia nos seus espetáculos e o abandono de qualquer tipo de preconceito.


Infelizmente, o tempo foi curto, mas o debate se constituiu numa oportunidade ímpar para se pensar o teatro de rua. Fica aqui o pedido para que encontros como este façam parte da agenda das futuras edições da mostra em Paraty.



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Teatro de Rua e sua importância na metrópole

de João Carlos Andreazza.


(esse texto é parte da palestra de abertura do I Seminário de Teatro de Rua de São Paulo, que aconteceu de 04/08/03 à 15/09/03 no Barracão Cultural Pavanelli)


A rua é o advento da modernidade. Ela surge com as técnicas de pavimentação, da idéia de "Haussman", uma espécie de arquiteto e pensador, que foi contratado por "Napoleão III" para criar uma nova forma de se visualizar esse núcleo urbano. Ele cria para esse tipo de pavimentação o que chama de "Lodaçau de Macadame" e que tinha um sério problema: nos dias de verão levantava uma poeira absurda e nos dias de inverno virava um grande pântano. Por que ele precisou criar isso? Porque precisava ser criada nesse núcleo urbano uma nova forma de policiamento. Então ele pensou a criação de um boulevard, que nada mais era do que uma grande avenida arborizada com calçadas largas e, é aí que vai acontecer a grande transformação: Nessas calçadas vão ser criados os cafés e tudo que acontecia dentro da casa passa a ser levado para esses locais, ao lado das carruagens que começam a percorrer essas avenidas trazendo o início do grande mal trazido pelo progresso que nós conhecemos como tráfego.


Nesse momento histórico acontece uma transformação contundente: a vida privada passa a existir ao lado da vida pública. O que era discutido no conforto de uma casa passa a ser discutido em um café, sob os olhos de pessoas estranhas. O público e o privado passam a acontecer de forma muito íntima. A rua se torna um grande divisor de águas entre o que existia no teatro e o que passa a existir a partir daí até os dias de hoje. Se, em um primeiro momento a gente tem "Haussman" falando do Lodaçau de Macadame, num segundo momento vamos poder reproduzi-lo diminuindo essas calçadas e virando um ambiente voltado para o tráfego como se a rua fosse um grande sistema circulatório vital para cidade, que cria sistemas de abastecimentos que não ficam aos olhos do público.


A rua vai ter um papel de transformação social incrível ao longo da história e, nesse momento, nós vamos perceber dois movimentos importantes: as carruagens são liberadas dos cavalos e o povo que passa, transforma esses elementos dinâmicos em elementos inertes. Libertando os cavalos, as carruagens não andavam mais. O povo vira essas carruagens de cabeça para baixo e transforma em barricadas. O que Napoleão III pediu para Haussman fazer - a criação do boulevar – era, na verdade, um aparelho de policiamento. Ou seja, ele criou a rua para que pudesse transportar sua polícia para coibir qualquer levante popular. O povo acaba percebendo isso e transformando esses elementos inertes nas barricadas. O povo rearranja esse ambiente pra criar um confronto e ao mesmo tempo se proteger.


Esse é um movimento muito interessante e eu sinto que hoje o teatro de rua tem um papel semelhante que passa por esse viés, essa cepa que se torna a rua. É uma cepa extremamente frutífera para nós como artistas. Quando eu falo essa frase pra vocês: "O teatro é a melhor escola pública da boa e da má formação de um povo" é porque eu acredito no teatro como instrumento de educação muito forte e que não pode ser deixado de lado. A recuperação da rua é o grande desafio social do nosso século e é dentro dessa vertente que eu vejo o teatro de rua.Eu não o vejo como uma forma utilitária mas como uma forma prazeiroza de fazer teatro, que deve ser encarada de uma maneira séria e gostosa. É isso que fazemos quando escolhemos as linguagens com as quais vai trabalhar e levar pra rua: música, circo, máscaras, enfim, tudo aquilo que tem cor, vida, sendo que cada vez mais percebemos um mundo monocromático onde a rua serve somente ao fluxo econômico de uma cidade.


Eu gosto de ver o teatro de rua de uma maneira alegre e que tenha um papel de recuperação desse espaço que a gente perdeu dentro da cidade, que é a rua. Eu sou o exemplo de uma pessoa que aprendeu a amar a cidade com o tempo e vejo que as pessoas que chegam tem muito medo da cidade. Por isso hostilizam, pelo medo de serem hostilizadas. Nesse momento eu sinto que essa proximidade que o teatro de rua tem, de fazer sua representação no mesmo piso que o público está, é uma maneira que o artista tem de falar com seu semelhante de uma forma muito direta. Esse diálogo que se estabelece com o público é forte porque quando um ser humano fala diretamente com outro ser humano não tem como o diálogo não se estabelecer. O cara só vai ficar ali pra ver o que está sendo feito porque gostou! De alguma forma a gente vai se fazendo entender por aquela pessoa que está lá.


O compromisso que a gente tem com teatro de rua não é uma falta de opção, muito pelo contrário. É porque entendemos que é uma grande opção. Não é porque não temos lugar pra fazer. Essa é uma história que a gente inventou pra gente mesmo e é uma história muito bonita e que pode ter desdobramentos maravilhosos.


Quando eu vejo uma platéia desse tamanho (refere-se ao público do seminário) e sei que tem gente que trabalha na rua há 6, 10 anos, e está se reunindo pra discutir, encontrar novas formas e dinâmicas de trabalho, novas linguagens, é porque existe um interesse por parte de todos vocês de incrementar cada vez mais o trabalho, de tentar seduzir o público que pode ter começado pequeno e arredio nas primeiras apresentações mas que, pela própria persistência dos grupos, já se mostra mais receptivo.


O teatro de rua é um instrumento que temos na mão que podemos usá-lo com a devida utilidade que um ator tem quando abre um diálogo direto com o público. É isso que a gente tem que ter e muito. Não importa a linguagem, importa que a gente toque a sensibilidade das pessoas de uma forma plena, que a gente perceba o brilho nos olhos das pessoas no momento da representação.


Quando a nossa intenção é recuperar o espaço da rua como espaço de confraternização e criar o édem no meio do caos, isso é importante! Eu entendo o Teatro de Rua com essa força, ele é destituído das formas burguesas do fazer teatral porque não está preso dentro das salas fechadas, porque a gente não tem que cobrar ingresso, a gente pode passar o chapéu e quem quiser dar dinheiro, que contribua! É nessa comunicação do ser humano, colocando suas necessidades, é que a gente vai fazer com que as pessoas sintam mais amor umas pelas outras. Pode parecer muito pueril mas na realidade é de fundamental importância a gente se relacionar com amor com as pessoas. E o amor é a grande forma de comunicação e eu sinto que quando a gente faz teatro tá fazendo isso.



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TEATRO DE RUA, QUESTÕES IMPERTINENTES



Por Luis Alberto de Abreu
Extraído do "Cadernos da ELT" nº 1 , Jun/04

A instalação de um Núcleo de investigação em torno do teatro de rua era uma idéia discutida e um desejo acalentado há algum tempo dentro da Escola Livre. As razões que justificaram sua implantação são várias. Uma delas é o significativo impulso que as manifestações teatrais na rua, nas praças, galpões, fábricas, casas e outros espaços não convencionais, ganharam nos últimos vinte anos, multiplicando grupos e motivando experiências estéticas diversas. Ficou evidente que os edifícios teatrais, reduzidos em número, não davam mais conta nem da demanda de espaços, nem das propostas estéticas para as quais era imprescindível o estabelecimento de uma nova relação com o público e com o próprio material artístico. Nos últimos trinta anos, o antigo e eficiente palco italiano e sua tradicional e sólida relação palco-platéia pareceu não mais dar conta de uma série de novas propostas.


Outra razão que justificou a criação do núcleo de pesquisa foi o esforço de alargar o horizonte de atuação da Escola Livre, torná-la visível no bairro onde ela se encontra, agregar novos contingentes de público e criar espetáculos que, com uma necessidade mínima de logística e aparato cênico, pudessem ganhar outros bairros, praças e intervir culturalmente nos espaços abertos da cidade. Paradoxalmente, são esses espaços com a maior afluência de cidadãos, são essas "ágoras" que recebem menos investimentos culturais. Numa sociedade que cultua e privilegia os espaços privados, ruas e praças são, em geral, solenemente desprezadas – exceção feita aos shows de entretenimento em datas cívicas e vésperas de eleições.


No entanto, ruas e praças públicas são ainda espaços privilegiados do exercício da cidadania, são ainda os territórios de encontro de uma cidade. E apesar da tendência ao insulamento que se verifica nos grandes centros urbanos, qualquer mudança social e cultural de alguma importância passa pelas ruas e praças.


Outra razão de peso foi simplismente a premência do tempo. A proximidade de eleições municipais sempre faz balançar perigosamente sobre uma escola pública de artes a espada de Dâmocles, que atende pelo nome de "continuidade". Infelizmente a cultura move-se ao sabor dos ventos instáveis da política e não é raro perceber todo um esforço de desenvolvimento cultural transformado em terra arrasada por um novo inquilino no poder. Por isso não queríamos correr o risco de deixar a pesquisa de uma área importante da manifestação teatral para um futuro incerto.


Existiram muitas outras razões para a implantação do núcleo de pesquisa de teatro de rua, mas essas dormiam em nossa intuição e só foram despertadas a partir do trato com o próprio material de pesquisa.


O Núcleo de Teatro de Rua surgiu integrando o Núcleo de Técnicas Circenses, coordenado por Marcelo Milan; o núcleo de Dramaturgia, sob a supervisão de Luis Alberto de Abreu, e um núcleo de atores dirigido por Roberta Estrela D’Alva e Claudia Schapira. Após um ano de estudos, ensaios, levantamento de material, incursões cênicas em ruas e praças e, na iminência de levar à cena da rua o primeiro espetáculo dessa pesquisa, ainda é reconhecidamente cedo para qualquer teorização a respeito do assunto. No entanto, algumas reflexões e algumas questões teimam, de forma impertinente, em requerer desenvolvimento e respostas.


A maioria dos envolvidos no projeto tinha, de uma forma ou de outra, alguma experiência em espetáculos de rua ou em espaços não convencionais, e mesmo assim a empreitada nos pareceu bastante complexa. Um núcleo de pesquisa, como entendemos, não se propõe, apenas, alcançar um resultado formal. Implica em buscar entender a base sobre a qual se apóia determinada forma, refletir sobre os elementos que a constituem e relatar e discutir essa experiência com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o tema em pesquisa. É isso o que, aqui, começamos a fazer.


A base de apoio de um espetáculo teatral na rua revelou-se instável, complexa e extremamente ampla.
A experiência viva do espetáculo teatral num ambiente fechado, seja palco italiano, arena ou mesmo um simples galpão, tem sempre alguma espécie de controle no desenvolvimento do rito teatral entre palco e a platéia. Podemos estabelecer um foco de atenção, amenizar interferências externas, propiciar conforto minimo necessário para não prejudicar a participação do público. Além disso, tem-se um aliado fundamental: o público se desloca até o espetáculo por livre e espontânea vontade, o que é, por si, fator de estabilização da relação palco/platéia. A rua, ao contrário, é um terreno completamente movediço. É um espaço de passagem, sujeito à constantes e imprevisíveis alterações, sem foco concentrador, e cuja platéia não fez opção prévia em participar do espetáculo. A questão básica que nos colocamos foi: como gerar interesse e, mais importante, como manter o interesse durante o transcorrer do espetáculo? A questão talvez seria mais facilmente respondida se considerássemos o teatro apenas uma forma de entretenimento, como uma mídia da "sociedade do espetáculo" quer fazer crer. No entanto, permanecemos fiéis à antiga idéia de que o teatro, necessariamente, deve possuir um LOGOS, um sentido, um conteúdo pedagógico que se integre à intensa experiência emocional, cômica ou dramática, que carrega. O teatro desde o seu nascedouro, no ocidente e no oriente, já se estruturava como experiência sensível e busca do sentido da existência. Sem essa dialética viva entre razão e sensibilidade cremos que o teatro perde sua força fundamental.


Como, então, estabelecer e manter essa força fundamental num espaço de passagem, sujeito à dispersão, sem foco concentrador e com um público que não fez escolha prévia em participar da experiência artística? Essa talvez seja a maior questão impertinente com que nos deparamos e para a qual, é óbvio, não temos resposta. Talvez, no entanto, tenhamos estabelecidos alguns caminhos de procura. Pelo menos foram caminhos que nos serviram na condução de nossa pesquisa.


Claudia Shapira propôs o tema "A Saga do Menino Falcão", sobre meninos atraídos pelo tráfico de drogas e que, em geral, morem antes de chegar à juventude. Começamos as improvisações com os atores e dramaturgos em sala de ensaio, mas logo essas improvisações ganharam a praça em frente à Escola.


A opção, de início, foi trabalhar com uma estrutura épica – as cenas como unidades autônomas. Imaginamos que o espaço naturalmente disperso da rua não oferecia condições ideais para uma organização dramática com unidade de ação, acumulação de tensões, diálogos excessivos e outros elementos que têm força maior quando em ambiente fechado. A dança, a linguagem com enorme poder concentrador, a acrobacia circense e a música fortemente rítmica foram outros elementos fundamentais que escolhemos para construir nosso teatro narrativo de rua.


A partir de improvisações sobre o tema, o núcleo de dramaturgia elaborou um canovaccio, um roteiro geral de ações, com discriminação de cenas, personagens e suas relações. O canovaccio revelou-se, nas improvisações, com uma complexidade inadequada ao espaço da rua. Foi refeito para ganhar forma essencial, pouco mais que um eixo estrutural, suficientemente amplo para abrigar cenas criadas pelos atores e se conjugar com a geometria da encenação. A dramaturgia sintetizou-se em uma ação fundamental, a morte violenta de um "menino falcão" e dois curtos depoimentos de cada um dos seis personagens, que de uma forma ou de outra estiveram envolvidos com o menino (traficante, mãe, pastor protestante, prostituta, namorada, policial), além de dois depoimentos do próprio menino morto. Os primeiros depoimentos de cada personagem representam o senso comum diante da morte sem importância de um pequeno traficante. Cada um se exime de culpa diante do fato considerado corriqueiro. No segundo depoimento, mais dramático, percebem que "estranhamente" a morte do menino mexeu fundo com cada um deles. Um arcabouço bastante amplo para comportar a continuada criação dos atores e da direção, mesmo depois de estreado o espetáculo, bem como para permitir improvisações e interferências que normalmente se estabelecem entre atores e público na rua.


A poucos meses da estréia continuamos com nossas indagações e sem nenhuma resposta fechada. Ao contrário, a pesquisa abre uma nova série de novas questões e provocações.


Uma das provocações, talvez a principal, seja que o teatro terá sempre importância social e cultural restrita enquanto não ganhar também as ruas e praças públicas e, ali, sentir o pulso da cidade e deixar-se contaminar por ele. Relegado apenas aos espaços fechados, inacessíveis ao grande público, fechado à nação, o teatro corre o risco de tornar-se entretenimento (ou experiência fundamental) de uma pequena casta cultural. A própria história do teatro ocidental e oriental nos indica, foi nas e das ruas e espaços abertos que o teatro extraiu sua força e sua forma fundamentais. O teatro para espaços fechados e, consequentemente, para público selecionado economicamente, tem uma história relativamente recente.


O teatro de rua não é uma invenção contemporânea como alguém mais desavisado poderia imaginar. E mais do que inventar o espetáculo de rua, talvez fosse mais interessante recuperar as formas tradicionais desse espetáculo, estudar sua forma e dar-lhe voz e forças contemporâneas. O que Mário de Andrade chamou de danças dramáticas brasileiras revelam, sob a pele do olhar folclórico, uma complexa forma dramatúrgica que que tem muito a nos ensinar sobre o espetáculo de rua. Da mesma forma a congada esconde, sob a capa de simples folguedo folclórico, uma estrutura épico-dramática impressionante, uma verdadeira saga sobre a resistência à colonização portuguesa na África – que não é inferior em profundidade e conteúdo dramático a nenhuma saga grega. Eram grandes espetáculos de rua, complexos, fortes do ponto de vista dramático e que manipulavam com eficiência as linguagens da música, da dança, da poesia narrativa, transitando entre os gêneros dramático e cômico, e imensamente populares.


Um olhar profundo e demorado sobre nossa própria tradição de manifestações teatrais de rua pode, com certeza, nos ajudar a responder as questões impertinentes que esse teatro nos coloca.

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Personagens teatrais e figuras exóticas transformam as ruas em verdadeiros espaços surreais.

Mantendo-se fiel ao seu primeiro abrigo, a praça, a arte de representar encontra nas ruas um público ávido e participativo, que faz com que o Teatro de Rua seja um veículo eficiente na comunicação e divertimento.

A comunicação bilateral que o teatro de rua consegue com sua platéia (assistência, seria o termo mais exato), quando os personagens dialogam com os transeuntes da área, é de uma franqueza e espontaneidade, jamais conferidas a outra forma de fazer teatro. Vir às ruas e, num curto espaço de tempo conquistar cúmplices, é a mola mestra deste teatro, que mistura-se ao povo, pegando-o por uma das necessidades básicas do homem, o seu divertimento. Daí, travam-se discussões de problemas e de idéias, que puxadas pelo teatro, envolvem pessoas de todas as idades, credos e graus de instrução, numa forma lúdica, porém repleta de verdades, anseios, indignações e desejos de uma população. É esta interferência na vida dos que caminham para o trabalho, para o médico, para as compras, ou mesmo dos que perambulam pelos centros das cidades e ruas de grande movimento em bairros populares, que o teatro surpreende e dá a sua contribuição, fazendo com que esses passantes pensem e opinem a respeito do tema abordado, sempre ligado ao cotidiano dessas pessoas. Mesmo que não seja um tema óbvio e tão exposto, o teatro de rua faz a ligação lógica com a vida da sua platéia.

É um teatro imediato, simples e envolvente, com diálogos puxados sempre pelos pronomes eu, tu, ele, provocando desta forma a intimidade cênica fundamental a esta linguagem teatral (a já citada cumplicidade) entre atores e espectadores, exemplo:

Ator - Eu sou o seu salário mínimo.

Com uma declaração dessas, o público imediatamente reage, das mais variadas formas, que passam pelas vaias, chingamentos e até empurrões no ator que interpreta o personagem conhecido e odiado pela platéia, o Salário Mínimo. Sem perder a noção de que se trata de uma representação, as pessoas que param para vê-la, extravasam suas queixas e divertem-se no jogo do faz-de-contas, transformando o teatro numa verdadeira arte interativa.

Cumprindo uma forma ritualística desde os gregos (procissão Dionisíaca), o teatro de rua contribui para a complexidade do entendimento do que é e do que não é teatro na vida.

Conduzindo os seus elementos básicos de apoio como bandeiras e instrumentos musicais, os atores percorrem as ruas chamando a atenção do povo e atraindo para a representação, deixando claro que se trata de uma encenação (teatro declarado), visto que as manifestações de rua como procissões religiosas, desfiles carnavalescos, paradas militar e escolares etc., são também permeadas de teatralidade, com direito a adereços, máscaras, indumentárias e música; ou seja, parece teatro mais não é. E assim, o teatro de rua cumpre um papel de grande importância na sociedade, misturando-se às figuras simples ou exóticas das cidades, transformando por um curto espaço de tempo, a vida em um ato surreal.

Nos anos setenta, grupos como Ponta de Rua, de Olinda; Teimosinho, do bairro de Brasília Teimosa; Teatro Popular da Várzea, entre outros, fizeram verdadeiros movimentos culturais com os seus espetáculos, unindo a arte teatral às lutas sociais das comunidades da área metropolitana da Grande Recife. Hoje, o Brasil aplaude com veemência os espetáculos montados pelos grupos Galpão (MG), Tá Na Rua (RJ), Alegria Alegria (RN) e Imbuaça (SE), respeitáveis sobreviventes do teatro mambembe brasileiro.

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A essência do teatro de rua no ônibus-palco do Grupo Viramundos

O Grupo Viramundos, da Universidade de Passo Fundo (UPF), vem trabalhando desde 2000 em espaços cênicos que são a rua e seus ambientes. Com propostas estéticas, o teatro de rua trabalha como disseminador da arte cênica em qualquer ambiente, tornando-o dinâmico para a sua realização.

Téspis, na Grécia Antiga, sobre sua carroça, a "commedia dell'arte" do Renascimento Italiano em seus tablados itinerantes de praça em praça, de aldeia em aldeia, são exemplos citados como provas de que o teatro é legitimamente originário dos espaços abertos e das ruas.

O ônibus-palco do Grupo Viramundos apresenta os seus espetáculos de forma interativa, inserindo todo o tipo de público na cultura brasileira, gaúcha e literária, viajando por cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Este ano, o Grupo Viramundos realizou 89 apresentações de "Timbre de Galo" e "Fantoches", com um público estimado em 68 mil espectadores. E é esse público que transforma o teatro numa verdadeira arte interativa.

Assim, criam-se espaços cênicos poéticos nas ruas ou sob tetos escolhidos e transformados, que se montam e que se desmontam, uma invenção de espaços, de arquiteturas móveis, voláteis e efêmeras, sem fixidez; a poética de teatros sem teto, ou de tetos provisórios, ampliando o significado de cada espetáculo. A proposta é uma espécie de aventura teatral nômade.

O trabalho teatral do Grupo Viramundos conserva esta marca nômade de expressão, de legitimidade popular, agregando as pessoas em torno de seu ônibus-palco. Pouco importa o lugar desde que os que se juntam tenham a vontade de ouvir a força da vida dramática de cada ator e do espetáculo.

A representação teatral em um lugar da cidade cujo espaço cênico não se cerra, inclui a paisagem urbana, realiza uma apropriação teatral da silhueta da cidade criando infinitas possibilidades expressivas. Essa essência do teatro de rua o Grupo Viramundos carrega na bagagem do seu ônibus-palco que vai pelos mais longínquos lugares, apresentando vários espetáculos desde a sua criação.

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Tuesday, April 25, 2006
Teatro de Rua: Mito e Criação no Brasil

porAndré Luiz Antunes Netto Carreira

As ruas das cidades latino americanas apresentam, hoje em dia, uma grande diversidade de práticas teatrais que expressam um movimento espetacular recente, mas, sobre tudo dinâmico, que constitui um elemento fundamental para a compreensão dos discursos teatrais latino-americanos deste fim de século. As manifestações de teatro de rua que observamos no Brasil estão diretamente relacionadas com os processos de criação cujas raízes se relacionam com o período final do regime ditatorial, durante a chamada etapa de transição democrática dos anos 80.

Dado que o teatro de rua é percebido, antes de mais nada como uma prática artística que se contrapõe aos discursos autoritários - desde mesma forma de apropiação do espaço urbano - surge o interrogante de como os teatristas de rua se relacionaram e se enfrentaram ao regime militar e aos discursos autoritários que predominaram no país nas décadas de 60, 70 e 80, e articularam a reconstrução das práticas criativas do teatro de rua no seio do novo regime político de signo democrático.

Analisando a produção de teatro de rua do período dos primeiros anos posteriores à ditadura militar, observamos uma peculiaridade no processo de criação dos realizadores desta modalidade teatral: os jovens criadores surgidos no período democrático afirmavam, em seus discursos ideológicos, possuir vínculos históricos com as experiências teatrais de rua realizadas no período anterior ao golpe militar, e percebiam seus trabalhos como continuidade ou superação crítica das experiências anteriores, reconhecendo-se, assim como parte de uma tradição bem definida de teatro de rua.

Esta é uma curiosa situação, pois, se consideramos que durante o regime militar não houve um desenvolvimento amplo das práticas de teatro de rua, e que o intercâmbio com as experiências de outros países foi limitado, chama a atenção que os novos grupos fizessem referências a práticas artísticas às quais somente tiveram acesso de forma fragmentada, e em geral através de informações bibliográficas ou de fontes orais secundárias. Mas, é importante destacar que foram justamente estas imagens fragmentadas as que serviram como ponto de partida para a reconstrução do teatro de rua nos anos 80.

Isso ocorreu porque os grupos se lançaram a fazer teatro de rua a partir de 1984 construiram seus projetos e discursos com base a um processo de mitificação, que se articulou através de um pensamento dominante no teatro brasileiro que considerava que o teatro de rua é uma modalidade teatral fundamentalmente militante, que pertence ao campo de ação política da cultura popular, e se constituiu como instrumento privilegiado na reconstrução democrática do país.

Orientados por esta conceituação os grupos se organizaram e encontraram elementos de coesão para exercer sua prática teatral no espaço público. Esta concepção de teatro de rua, uma redução drástica do que significa esta modalidade teatral, operou como referencial, pois, este caráter político/popular funcionou como fator propiciante do retorno ao espaço da rua que constituiu um âmbito para o combate político dos artistas.

O teatro de rua surgido depois da ditadura militar foi fruto do esforço e tenacidade de uns poucos teatristas que se lançaram às ruas no calor do sentimento de liberdade que dominou a sociedade a partir das campanhas políticas que contribuiram para o fim da ditadura militar (Comitês pela Anistia, Diretas Já, etc.). Estes teatristas seguiram o caminho aberto pelos grupos que, nos anos 70, se propuseram criar espaços teatrais em comunidades e trabalharam em colaboração com organizações sindicais e políticas. Diversas apresentações destes grupos tiveram que ser realizadas em espaços abertos ganhando a forma de teatro de rua pela falta de espaços físicos apropiados. Mas, isso não consistiu numa prática sistemática de teatro de rua que funcionasse como modelos para os jovens criadores.

As limitações impostas pelos governos ditatoriais contribuiram para criar um grande vazio no que diz respeito a espetáculos teatrais na rua. Isso aprofundou a ruptura com os elementos do teatro ao ar livre próprios da tradição cultural brasileira.

No seio de uma sociedade que atravessava um período de transição política, os grupos procuraram um posicionamento político-social dentro de um panorama de transformação, e isso se deu no marco da definição do modelo teatral que cada grupo tomou como referência no seu processo de formação e produção.

Como o conjunto de experiências de teatro popular realizadas no Brasil deixou poucos registros, os jovens realizadores contavam apenas com informações fragmentadas ou de dificil acesso. Essa carência de modelos teatrais favoreceu a mitificação de algumas propostas que foram tomadas como paradigmas do teatro de rua. Uma memória fragmentada registrou apenas a existência de um teatro de rua com caráter militante e isso favoreceu a consolidação de um modelo teatral combativo em detrimento de outras formas teatrais, e plasmou um pensar que teve como referenciais principais os escritos de Augusto Boal e as propostas e realizações dos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE).

Estes exponentes foram conduzidos à categoria míticas, e as figuras de Bertolt Brecht e Boal foram transformadas em ícones de um teatro (de rua) que deveria ser popular e, decisivamente político militante.

Aqui reside um elemento de muito interesse para a compreensão deste fenômeno: se tomamos o conceito do mito como "uma idéia-força que incita a uma resposta vital, a obrar em sua consecução ou consequência (ou a um não obrar, que é também uma forma do mesmo, um obrar invertido, por omissão intencional de resposta)" (Magrassi, 1980: 117) podemos considerar que o mito é um gerador de atitudes, e pode funcionar mobilizando ações concretas na vida social.

Este processo de mitificação impulsou os grupos a adotarem procedimentos e práticas que foram, em última análise, grandes responsáveis pelo ressurgimento do teatro de rua no Brasil. O processo mitificador funcionou através da eliminação das mediações existentes entre as práticas dos agentes mitificadores e seus discursos ideológicos. Como afirma Roland Barthes, o mito não oculta nada, sua função é de deformar, não de fazer desaparecer. O vínculo entre o sentido e o conceito do mito está dado porque o conceito aliena o sentido (Barthes, 1988). Esta alienação explica porque o mito não mantém o sentido original no seu conjunto, senão que a desapropiação é parte de uma descontextualização que gera uma deformação, e por isso um novo sentido, uma nova mensagem.

Este processo mitificador se deu no marco de uma atitude de resistência adotada pelos novos realizadores, e teve como consequência a busca da rua como espaço cênico e um espelhar-se nas experiências que, nos anos 60, tomaram como referenciais o teatro de agit-prop russo e as formulações de Erwin Piscator e Bertolt Brecht. De fato, podemos considerar que a experimentação dos anos 60 não foi muito além do emprego de fragmentos do discurso político e estético de Brecht e da utilização de alguns procedimentos próprios do agit-prop. Eles não adquiriram características de uma experimentação profunda em torno dos conceitos do teatro didático, ou mesmo das idéias das vanguardas políticas do teatro soviético.

Cabe refletir sobre a possibilidade desta apropiação parcializada enquanto parte de um projeto estético que propunha a articulação destas propostas estéticas citadas anteriormente com elementos próprios da cultura brasileira, como uma tentativa de construir um caminho novo dentro do marco cultural nacional. Este tipo de justificativa deve ser avaliado a partir de fatos concretos tais como a enorme carência, nos 60, de traduções ao português da obra de Brecht, e a pouca duração da vida dos CPCs (aproximadamente 2 anos).

Se dirigimos nossa atenção para os referentes mencionados, podemos notar que o movimento dos CPCs fez algumas tentativas com o fim de criar uma prática de colaboração estreita com as campanhas políticas da UNE. Segundo a historiadora Silvana Garcia observa "os CPCs dividiam suas produções em peças para o palco e teatro de rua (...). A experiência do teatro de rua é um pouco posterior, nascendo após frustadas tentativas de contato com outros públicos populares fora do âmbito da classe média da zona sul carioca" (Garcia, 1990: 102). Já as propostas e modelos teatrais descritos por Augusto Boal no seu livro Técnicas Latino-americanas de Teatro Popular de 1975, são apresentadas como um panorama de práticas teatrais características dos processos políticos-culturais do continente. No entanto, este livro que funcionou como referente para inúmeros grupos de toda a América Latina que procuravam um modelo de teatro revolucionário, não explicita o vínculo existente entre as "técnicas latino-americanas" e os referentes do agit-prop soviético.

As ações de grupos como o Oficina e o Arena estiveram circunscritas ao espaço teatral fechado das salas, e seu caráter politizante esteve restrito ao contato com um público fiel, comprometido politicamente, mas, reduzido a um setor de classe média (estudantes, profissionais liberais e intelectuais), ao qual não podemos considerar como experiências significantes de teatro popular. Não há dúvidas das repercussões políticas e estéticas das práticas teatrais destes dois grupos, mas, não se pode atribuir a eles mais que um papel estimulador para aqueles que se propunhama romper com as estruturas do mercado teatral e buscavam construir alternativas criativas polticamente comprometidas em novos espaços sociais. Os grupos paulistas de teatro de periferia nos anos 70 (Garcia, 1990) podem ser considerados exemplares no que se refere às suas tentativas no sentido de avançar em direção a um teatro popular de resistência a partir da aproximação com novos núcleos sociais e da utilização de diferentes tipos de espaços físicos.
A partir do exposto anteriormente, pode-se afirmar que o processo de mitificação instalado no anos 80 se estruturou tendo como ponto de partida uma idealização de uma produção teórica e/ou prática de alguns teatristas que haviam protagonizado uma apropiação parcial de modelos teatrais propostos nos primeiros anos do século XX.

Foi a urgente necessidade de preencher o vazio gerado pela ditadura militar que conduziu à escolha de modelos teatrais mencionados sem uma reflexão maior por parte dos grupos que saíram às ruas. O espaço aberto com a transição democrática, as crescentes manifestações políticas nas ruas pela democracia, em particular as passeatas estudantis por todo o país, e a presença dos operários metalúrgicos pela região do ABCD paulista estimularam diversos grupos teatrais a optar pela utilização de formas do teatro de rua. Silvana Garcia observa como grupos que haviam buscado fazer teatro em comunidades de periferia, se associaram rapidamente às lutas desatadas no final da década de 70. Em outras regiões do Brasil se observou a formação de grupos teatrais de estudantes que realizavam intervenções nas numerosas assembléias que proliferavam em todo os campi universitários. Estes grupos, em muitos casos acompanhavam os movimentos estudantis e sindicais quando estes ganharam às ruas.

Este processo foi muito intenso, em primeiro lugar porque ocorreu depois de um período de repressão e medo, e em segundo lugar porque os grupos se articularam impulsados por um movimento social que rapidamente ganhou espaço no conjunto da sociedade onde foi muito bem recebido. Assim, estes grupos ampliaram, forma quase instantânea, seu universo social. Num lapso de tempo muito curto, uma grande quantidade de novos grupos estava apresentando suas peças, na maioria das vezes de caráter emergencial, para públicos sempre dispostos a recebê-las bem, por reconhecer estas apresentações como importantes contribuições às suas causas. Ao mesmo tempo, para estes teatristas isto significava estreitar vínculos com o movimento social e concretizar assim a tarefa social do teatro.

Efetivamente, este processo foi complexo e crítico, porque se deu no marco de uma profunda crise do modelo de dominação política, e funcionou como uma avalanche que interferiu caoticamente na atividade de muitos grupos, conduzindo-os simultâneamente à realização espetacular e a crises organizativas terminais. Isso porque o novo marco cultural determinou a desestruturação e reorganização das formas de produzir dos grupos. No entanto, foram estas circunstâncias que propiciaram as mitificações que contribuiram com a recriação do teatra de rua no Brasil. A desinformação dos grupos teatrais é o primeiro elemento a se considerado, mas, as pressões políticas, a emergência do momento, e a paixão que aqueceu aquele período deram forma ao motor que empurrou os grupos a alçar mão de um discurso de justificação que se consolidou como prática mitificadora.

Não importou, portanto, se os referenciais mitificados cumpriram ou não uma determinada função na conformação de modelos teatrais, o fundamental foi que se tomou o suposto modelo de teatro de rua popular e militante como paradigma a ser emulado ou criticado radicalmente. Justamente aqui recai a força mobilizadora desta mitificação, pois foi ela que atuou influenciando a conformação de propostas estéticas que, atualmente, estão em funcionamento.

É bastante comum encontrar diretores de teatro de rua que mencionam diversas manifestações culturais populares como modelo de teatralidade de rua, assim, as diferentes formas do carnaval, o circo, e uma grande variedade de folguedos populares, são citados como referências para a criação. Mas, a questão que surge de imediato é: se essas formas efetivamente têm impacto nas propostas destes diretores ou são elementos necessários na elaboração de discursos ideológicos de justificação na construção de uma identidade? O caso do circo, especialmente as formas do circo-teatro, é exemplar pois, apesar de ser um elemento citado por diversos criadores como influência direta constitui hoje uma manifestação cultural de difícil localização no território nacional.

Identifico um mecanismo pelo qual diante da carência de modelos se operou atribuindo a um modelo escolhido, uma vigência atemporal que permitiu reinvindicá-lo e aplicá-lo à preparação de espetáculos para a rua. A lógica que se observa é: se os elementos do circo estavam relacionados com momentos tradicionais da nossa teatralidade também deveriam servir para reconstruir a identidade do teatro de rua enquanto modalidade popular, e portanto, as técnicas circenses poderiam ser reivindicadas enquanto elemento paradigmático para o treinamento do ator. Se o carnaval é nossa manifestação artística de rua por excelência, seu caráter lúdico e paródico pode ser aplicado à estrutura dramática do espetáculo teatral de rua.

Esta reivindicação da volta às origens não estaria relacionada com a valorização do produto artístico, com uma pretendida hierarquização do espetáculo? A pergunta surge a partir da constatação de que esta classe de justificativa aparece nos discursos de diversos grupos de teatro de rua do país e são coincidentes com o uso de vários elementos técnicos comumente utilizados pelos grupos europeus que visitaram a América do Sul a partir da segunda metade da década de 80.

A influência de Eugenio Barba marcou profundamente os grupos que fazem teatro de rua. Ian Watson diz que "os escritos teóricos de Barba sobre o Terceiro Teatro tiveram um grande peso devido a justificação intelectual que dão à existência de um teatro que está obrigado a viver marginalizado, (...) além disso a reputação de Barba, enquanto pioneiro de um teatro separado das vias institucionais ordinárias, tem sido fonte de apoio psicológico para muitos destes grupos (...) não há nenhuma evidência de que a única fonte de inspiração para estes grupos tenha sido o método do Odin Teatret de Barba, mas, não há dúvidas de que estes métodos têm servido como exemplos válidos" (Watson, 1989:4).

A partir do Encontro do Terceiro Teatro organizado por Barba em 1973 na Itália, e a subseqüente organização de encontros periódicos da International School of Theatre Antropological (ISTA) se difundiu pela Europa, e posteriormente pela a América Latina uma prática de revalorização dos espetáculos de rua com fusões de técnicas num espectro muito amplo, que vai desde exercício grotowskiano até a acrobacia circense.

Muitos dos elementos técnicos, tais como as formas para reunir e controlar uma grande quantidade de público, a técnicas das bandeiras, as personagens em pernas-de-pau, que também são características da linguagem circense e da carnavalesca, que aparecem abundantemente em vários espetáculos de rua, em grande parte são adaptados das encenações, dos filmes, ou das oficinas e palestras do Odin Teatret.

Esta influência se articulou e se viu reforçada pelo discurso de Barba que se apresentou no continente, afirmando que não queria fazer a revolução através do teatro, e que portanto, não reconhecia no teatro a capacidade de estimular transformações macro-sociais. Esta postura, explicitada no seu livro As Ilhas Flutuantes, foi reiterada em cursos e conferências, funcionando como ponto de apoio para vários realizadores brasileiros de teatro de rua, pois, esta negação do caráter militante do teatro, mas, não o político, ampliava a base de justificação daqueles diretores que buscavam novos paradigmas estéticos. Aqueles realizadores que haviam visto o teatro unicamente como uma manifestação política, e por isso mesmo o haviam repudiado, descobriram uma tradição a ser retomada e desenvolvida, uma tradição que recolocava a teatralidade como eixo do fenônemo espetcular.

O que se observou na segunda metade dos anos 80 foi uma combinação de fatores que favoreceu a retomada do teatro de rua, pois, a democratização do uso dos espaços públicos, relacionada com a trajetória iniciada pelos grupos no calor das lutas políticas, posteriormente referendada em um novo marco conceitual, criou as condições necessárias para que o teatro de rua ocupasse um novo lugar no panorama teatral brasileiro.

O teatro de rua, nos anos 90, é um desdobramento deste processo. Hoje em dia, é possível constatar o espaço conquistado por esta modalidade teatral a partir da existência de um número crescente de grupos em diversos estados do país, do acesso que estes grupos passaram a ter das fontes de financiamento, já seja através do apoio dos recursos estatais como da utilização de leis de incentivo fiscal, e também da incorporação de mostras de rua em importantes festivais teatrais no âmbito nacional.

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PAVIS, Patrice. Diccionario de Teatro. Paidós. Barcelona. 1980

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Existe material Teórico sobre Teatro de Rua ? ?

por Núcleo de Teatro de Rua ELT

O levantamento, utilizando a presente amostragem, do trabalho realizado em Teatro de Rua no Brasil, revelou diferentes histórias de formação e diferentes maneiras de lidar com a criação teatral na rua.


Observando o tipo de material encontrado constata-se que a grande maioria do material é composta por entrevistas e depoimentos junto a revistas e cadernos de grupos teatrais e outras iniciativas do meio teatral (como, por exemplo, a cooperativa de teatro).


É interessante ressaltar a validade desses relatos, sendo que o registro por escrito de conteúdos inicialmente orais permite uma difusão maior de informações e consequentemente, mais discussões são possíveis. Outra vantagem dos relatos é seu frescor, já que sua divulgação é mais rápida e próxima dos acontecimentos. Assim, há um meio de intercâmbio entre os grupos e discussão do posicionamento diante de questões prementes como financiamento, políticas de governo, acontecimentos políticos. No entanto, o envolvimento do indivíduo dentro do próprio processo de criação às vezes impede uma relativização de suas conclusões – relativização essa realizada por quem ouve o relato e analisa por comparação junto a outras experiências.


Para dar um exemplo, em diversas declarações, Amir Haddad afirma que o único teatro de rua possível é aquele onde o público é participativo. Ao mesmo tempo, o grupo Imbuaça, um dos referenciais em teatro de rua no Nordeste, trabalha com textos rimados com dramaturgia fechada, sem levar em conta a participação do público no desenrolar da história. Outras afirmações fechadas às vezes aparecem em depoimentos, como nos casos de alguns grupos acreditam no processo colaborativo e na direção coletiva como único meio de desenvolver teatro de rua enquanto outros preferem se dividir em diferentes funções, até mesmo funcionando com uma hierarquia interna.


Por outro lado, as teses acadêmicas - encontradas foram em número bem reduzido: duas – têm também sua validade e suas deficiências.


Na tese de TELLES sobre o grupo Revolucena de Angra dos Reis, buscou-se discutir a trajetória de um grupo de teatro de rua (desde aspectos técnicos como nível de participação do público, interpretação e dramaturgia até contexto histórico-social local e possível impacto do trabalho do grupo sobre a cidade). As informações levantadas sobre os processos de criação e montagem de três espetáculos desse grupo trazem uma série de questões e também conclusões. Porém, toda informação foi coletada em retrospectiva – o grupo já havia se desmanchado nove anos antes da conclusão da tese. O processo não foi acompanhado ao mesmo tempo em que acontecia, mas sim aferido por meio de relatos posteriores de ex-integrantes e registros de fotos. Isso pode ter interferido na qualidade da observação – levando em conta aqui também a subjetividade das entrevistas. O mérito da tese está em pormenorizar os procedimentos de montagem e comparar as primeiras iniciativas às últimas, sendo evidente assim o crescimento artístico do grupo.


Na tese de Benício, foi feito um considerável levantamento de grupos de rua atuantes no nordeste. Sobre cada grupo foram coletadas informações como organização interna (administração financeira, se há hierarquia interna, se há profissionais de fora do grupo contratados como fonoaudiólogos ou educadores físicos), características do espetáculo (se há cenografia, como se caracterizam os figurinos, se a dramaturgia é fechada), características do trabalho de criação. A tese apresenta uma amostragem significativa porém aborda os conteúdos de maneira superficial, sem que tenha havido acompanhamento simultâneo ao processo de criação ou pesquisa mais detalhada.


Dentre os tópicos mais freqüentemente abordados, tanto nos depoimentos quanto nos trabalhos acadêmicos:


O nível de participação do público é um aspecto bastante discutido e cada grupo trabalha de uma maneira. Dependendo do nível de participação do público, a dramaturgia pode existir propriamente ou pode haver somente um roteiro onde os atores improvisem em cima.


O estabelecimento do espaço cênico na rua e a disposição dos interpretes em cena é outro aspecto. No nordeste é quase uma constante o uso de cortejos para conquistar o espaço na rua antes do início da história. Alguns grupos usam tablados ou palcos montados (sobre ônibus) para terem maior visibilidade, alguns trabalham em roda, outros não. Alguns criam uma espécie de "coxia" onde as trocas de roupa acontecem, outros trocam de roupa quando fora de cena e reintegrados à roda. Há uma variedade de procedimentos e o resultado, o alcance junto ao público é discutido, porém ainda não há uma intercâmbio freqüente entre os grupos acerca dessas experiências e quanto as diferentes maneiras de atingir o público.


Outro aspecto bastante discutido é a criação do texto. Nesse sentido, há uma característica peculiar que apareceu no material pesquisado: entre os grupos de teatro de rua do nordeste, pelo menos até a década de 90, predominava o texto criado por um autor e "adaptado" coletivamente – ou seja, a trama sendo proposta e desenvolvida por um autor por vezes integrante do grupo ou mesmo algum autor de fora do grupo e acontecia uma espécie de adaptação (corte ou acréscimo de cenas, por exemplo). A inspiração vinda do cordel também é bastante forte nos textos do teatro de rua do NE. Já no sudeste-sul do Brasil ocorre com maior freqüência um processo onde as histórias parecem ser criadas, coletivamente, pelo grupo, sendo ou não fechadas por um dramaturgo. Mas neste caso,o germe principal do texto nasce no grupo. Há também os textos fechados por autores externamente ao processo. Nos espetáculos onde a dramaturgia é em aberto, pode haver uma dramaturgia que inclua desfechos diferentes. Há também espetáculos onde não há propriamente uma dramaturgia, mas sim um roteiro de ações.


Dentro dos depoimentos, a história do teatro de rua no Brasil também aparece citada, assim como nas teses encontradas. A história da abertura política na década de 80 se mistura a história de cada grupo, sendo que uma parcela bastante significativa dos grupos iniciou atividades na rua nesse período. A importância da influência dessa história de renascimento do teatro de rua sobre os paradigmas do teatro atual de rua é discutida – sendo que o caráter político dessa retomada cooperou para caracterizar o atual teatro de rua no Brasil, diferente do teatro de rua em outros países. ( Por exemplo, num depoimento do grupo Imbuaça, um dos integrantes afirma que depois de um intercâmbio com grupos da Itália eles perceberam que havia outras possibilidades de teatro de rua, sendo que os italianos utilizavam o espaço de maneira diferente, as temáticas abordadas tinham outras variações e que performances eram muito mais freqüentes entre os grupos de rua da Itália com que tomaram contato.)


Como influências temáticas e de linguagem, aparecem raízes folclóricas presentes nas lendas e rituais regionais, o cotidiano urbano, as figuras da comedia dellarte, o circo. Como base para conduzir o processo, as idéias de Augusto Boal, Paulo Freire, Bertolt Brecht.




ALVES Adailton Políticas Públicas de Cultura e os Artistas Paulistas http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=47&page=2
ANDREAZZA, José Carlos Teatro de Rua no Percurso de um Ator http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=47&page=5
Batista, Daniel Machado "O Galpão e a Rua: o teatro de grupo de Minas Gerais em um Brasil que se redemocratizava (1979-1985)" UNESP, 2005 (para conclusão do curso de História)
BORBA FILHO, Hermilo Fisionomia e espírito do mamulengo Companhia Nacional, 1966
BORBA FILHO, Hermilo Apresentação do bumba meu boi Imprensa Universitária 1966
BRANDÃO, Carlos A cultura na rua Editora Papirus, Campinas 1989
Brandão, Carlos"Grupo Galpão : Diario de montagem UFMG, Belo Horizonte, 2003 (Texto das peças e diário dos processos do grupo Galpão na montagem das peças: "Romeu e Julieta", "A rua da amargura", "Um doente imaginário", "Partido")
CARREIRA, André. Teatro de Rua Depois dos Anos do Autoritarismo. Revista Cadernos de Classe. ___Universidade de Brasília. Nº. 0. 1988.
CARREIRA, André Teatro de Rua: mito e criação no Brasil Revista Arte online UDESC, 2004 www.ceart.udesc.br/Revista_ Arte_Online/Volumes/artandre.htm
CORREIA, André de Brito Teatro de Rua Radical:arte, política, espaço público urbano Universidade de Coimbra http://www.ces.fe.uc.pt/publicacoes/oficina/192/192.pdf (artigo que relata pesquisa bibliográfica e de cunho explicativo sobre o que o autor português chama de Teatro de Rua Radical)
Cruciani, Fabrizio Teatro de rua / / Fabrizio Cruciani, Clelia Falletti ; tradução de Roberta Baarni ; com o capítulo Teatro de rua no brasil de Fernando Peixoto, escrito a pedido dos autores São Paulo : Hucitec, 1999
FERNANDES, JOSÉ LOUREIRO Congadas Paranaenses 1977
FROTA, Lélia Coelho Pequeno Dicionário da arte do povo brasileiro
KRUGLI, Ilo Tocar e Olhar no Inusitado http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=47&page=4
Maia, Reinaldo. Brecht visto da rua ou o teatro de todos os dias Caderno do Folias,2001
MARIANO, Clayton Dos movimentos para atravessar a rua Revista Contravento 1
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de O teatro que o povo cria (pesquisa pormenorizada, publicação a partir de sua tese de mestrado que estudou a criação dos "Cordões de Pássaros", reunião de espetáculos de rua com encenação e dramaturgia próprios de cada cordão, no Pará)
QUEIROZ, Maria Isaura Comunicação e cultura popular Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, ECA USP 1971
SANTOS, FERNANDO A.G. Mamulengo - um povo em forma de bonecos Funarte 1979
SCHAPIRA, Cláudia Teatro de rua, teatro na rua, teatro da rua,teatro para rua, teatro com a rua? http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=47&page=3
SERRONI, J.C. Sobre os limites do palco e seu rompimento Revista Contravento 1
SILVA, Narciso Telles da " Por uma revolução cênica: Estudo da linguagem de Teatro de Rua do grupo Revolucena UNI – RIO, 1999
Essa dissertação é uma análise retrospectiva da trajetória do grupo Revolucena ao longo da criação e montagem de três espetáculos, em Angra dos Reis, de 1984 a 1989
Souza, Eliene Benicio de "Teatro de rua : uma forma de teatro popular no nordeste" ECA – USP, 1999
Essa dissertação propõe-se a estudar o teatro de rua como uma forma de teatro popular no nordeste do Brasil, analisando os principais grupos de teatro quanto sua formação, organização interna, processo criativo, aproveitamento do folclore nos espetáculos e a participação do publico. A atuação desses grupos junto ao contexto sócio-cultural foi analisada também, observando-se o surgimento de um movimento de teatro de rua, na década de 80, naquela região. O conceito popular foi definido, bem como a caracterização do teatro de rua do nordeste para que este pudesse ser identificado como uma forma de teatro popular.
(Pesquisa exploratória, de levantamento)

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Saturday, April 22, 2006
Entrevista Tablado de Arruar

de Portal da Cooperativa Paulista de Teatro


Portal — O ator e performer australiano Thomas Hollesgrove se declarou impressionado com o conteúdo político do espetáculo "Movimentos para atravessar a rua". Diante da visão comum que nos coloca aquém do que acontece no cenário cultural do primeiro mundo, isso é bastante significativo. Por conta de resultados concretos vindos de um tipo de pesquisa bastante peculiar e de duas contemplações da Lei de Fomento ao Teatro, o trabalho de vocês, com apenas quatro anos de vida, já está reconhecido. Marco Zero, Praça da Sé. Com roupas de ensaio, em meio a instrumentos musicais, mochilas e pertences pessoais. Enquanto, de forma muito criativa, eles tiram de cena um morador de rua, um dos atores faz anotações enquanto outra integrante canta rubricas e observa as improvisações. É o Tablado de Arruar criando um novo espetáculo, diante do público, que não abandona a roda. Vamos conversar com Martha Kiss e Chico Barros. Como é que vocês vêem a questão do conteúdo político no processo de criação?


Tablado de Arruar — [Martha] Você viu que, quando nós tiramos de cena o morador de rua, nada tinha a ver com o fato nos estar "incomodando". A cena acontecia num ambiente privado da classe dominante e ali tinha seguranças que reagiram à presença do morador. Em "Movimentos...", se fosse um camelô, provavelmente ou até mesmo morador de rua a gente não tiraria — principalmente no episódio do mercado de papelão. É muito comum entrar morador de rua e a gente "agregá-lo" como personagem da história que a gente está contando.


Portal — Em "Movimentos...", houve uma ocasião em que um deles entrou na cena gritando: "eu falo hebraico!"...


Tablado de Arruar — Sim! Esse morador de rua passou a seguir as nossas apresentações e um dia pegou nosso telefone na filipeta e nos ligou para avisar que "faltaria porque estava doente"! Isso é próprio do teatro de rua. Não existe divisão muito clara entre público e ação da cena.


Portal — Mas não acontece aí o fenômeno da transformação do transeunte em sujeito da ação?


Tablado de Arruar — Isso nos interessa muito. Até que ponto essa interferência é transformar o público em sujeito da cena? Fizemos um workshop de Teatro Fórum com um assistente do Boal. Aí, sim, é espectador em situação de ator, interpretando. Em "Movimentos...", a gente abre para a platéia opinar se o personagem Trindade deve ou não matar o morador de rua. E por que. Nesse momento, a platéia está literalmente ativa dentro da história. No entanto, a gente já tem a carta marcada e a pessoa não vai modificar o final.


Portal — Nunca aconteceu nenhuma surpresa vinda do público?


Tablado de Arruar — Infelizmente não. A barbárie dos dias atuais é tanta que, quando o Trindade acerta as contas com o morador de rua, essa atitude é quase regra e a maioria do público grita: "mata!". Às vezes tem gente com perspectiva mais humana. Quando aparece alguém do hip hop, ele já amplia: "o problema é o sistema, que leva o cara a isso". Mas é raro as pessoas ampliarem a discussão; ainda fica muito na questão da vingança, da moral, do certo e do errado. E a gente questiona o nível de participação do público. É próprio do teatro feito nas ruas — e dos vendedores — trazer alguém do público para uma brincadeira ou um jogo. Isso é legal. Mas o público ainda está sendo meio usado, não é? Até que ponto dá pra ir essa relação com a platéia? Com o Boal, isso é uma outra história...


Portal — Como se dá o processo de criação do Tablado de Arruar?


Tablado de Arruar — Conteúdo político e maneira de trabalho são coisas que não andam separadas. A gente tem um discurso claro e o aplica na reflexão sobre a maneira de trabalhar.


Portal — O pensamento, às vezes, não se torna um fator limitante? Vocês primeiro fazem, depois pensam?


Tablado de Arruar — [risos] A teoria alimenta a prática que alimenta a teoria. Na verdade, a gente tenta pensar! Quando a gente foi para a rua, nossas escolhas não estavam muito claras. Com quem a gente queria dialogar? Qual era o nosso espaço? A gente foi focando o sentido do trabalho, parando de atuar em parques e escolhendo como espaço de ensaios e atuação o Centro da cidade. Antes a gente ensaiava em salas. "A Farsa do Monumento" saiu da sala de ensaio e dá para perceber sua distância com a realidade das ruas. Por ser uma peça dentro do imaginário do que seja teatro de rua, uma farsa com trabalho de máscara e clown, ela cabe na rua. Mas não tínhamos muita noção de como se relacionar com essa platéia, que se divertia e, no fim, não sabia não dialogava com a discussão que a gente estava propondo. Já em "Movimentos...", a gente foi até o limite nisso tudo pra criar uma peça sobre os camelôs, os moradores de rua, os desempregados e também os trabalhadores precarizados. A gente passou, assim, a se relacionar, a pensar e a entender as estruturas maiores que determinam a realidade do Centro.


Portal — O público atendeu bem ao convite de participar da montagem?


Tablado de Arruar — Nossa! O processo de criação nos leva a chegar no lugar, aquecer corpo e voz, fazer o treinamento, improvisar as cenas e, no fim, conversar com o público. No fazer da coisa vemos até que ponto a gente está se comunicando — que é o princípio de tudo. E como é difícil saber por que motivos a gente não consegue comunicar...!
[Chico] Quantas vezes, nos últimos dois ou três meses, a gente não pensou, organizou idéias e propostas, levou para a rua e simplesmente não teve nenhuma comunicação? A gente faz, depois pensa e volta, de novo. O lance é experimentação, a possibilidade da praxis, da crítica sempre dialética rolando solto. Pegando as três peças é muito interessante notar como o grupo é essencialmente processo.
[Martha] Ainda mais para a gente, que está construindo a nossa dramaturgia e experimentando nossa própria maneira de trabalhar coletivamente. Como grupo, nos preocupa a nossa formação. Temos grupo de estudos, fazemos treinamentos e agora estamos experimentando novas funções. A gente descobre o nosso tema, o nosso "nó". A cada dois meses um de nós dirige e outro faz a dramaturgia de algum subtema desse tema maior. E vamos para a rua. É por isso que essa etapa do projeto se chama "Ensaios sobre a Rua". A gente experimenta possibilidades, levanta dramaturgia e pesquisa. Com a direção do Cleiton e dramaturgia do Zé Du, trabalhamos o tema da peça, que é Ocupação. Visitamos algumas ocupações, enfocando a invasão. À partir disso, produzimos cenas. Esse segundo ensaio sobre a rua sou eu que está dirigindo e o Pedro está fazendo a dramaturgia sobre o tema da construção de uma "cidade ideal capitalista". A gente pesquisou personagens importantes da classe dominante e o que é a elite brasileira, nesse país que ao mesmo tempo é periferia do capitalismo e tem uma Daslu. Improvisamos em cima de "Mahagonny" e de "Parceiros da Exclusão", livro da Mariana Fix, que fala da retirada dos moradores para a construção da avenida Berrini...


Portal — No final do processo, quem assina a direção e a dramaturgia?


Tablado de Arruar — Passados os "ensaios sobre a rua", a gente abriu uma discussão sobre nosso processo de trabalho num segundo seminário — também aberto para a população, com a presença de artistas, colegas, de um diretor e um dramaturgo, a partir do que pudemos definir mais claramente o nosso objeto de pesquisa.


Portal — Nesse processo todo, onde é que a Lei de Fomento ao Teatro possibilitou um salto para um nível diferente do que já vinham fazendo antes?


Tablado de Arruar — Já há uma mudança no fazer teatral, na configuração dos grupos, na relação com as comunidades. Já se percebe muito claramente que os resultados do Fomento gera quase uma "oficialização da produção teatral" na cidade de São Paulo. Dinheiro cria mais possibilidades de trabalho. Grupos até então desconhecidos, começam a aparecer. A existência da lei nos obriga a discuti-la e os grupos estão dialogando mais profundamente, pensando sobre nosso ofício e entendendo melhor o sentido do que estamos fazendo. Agora existe espaço (possível, necessário e não alternativo) para a pesquisa de teatro de grupo. Mas também é óbvio que a lei não dá conta de todos os grupos.


Portal — Em que sentido essa segunda contemplação reverberou no Tablado de Arruar?


Tablado de Arruar — Somos um grupo novo. Na primeira vez, já tínhamos dois anos de trabalho incessante nas ruas. Agora é um novo momento do grupo, com a construção de uma nova peça e o seminário de formação do grupo. O Fomento fez parte da nossa formação e estruturou o Tablado de Arruar. Agora compramos uma Rural para nos servir de cenário e transporte. Com a gente tendo o tempo prioritariamente voltado para o grupo, o trabalho ganhou outra qualidade.


Portal — Visando a elaboração conjunta de um chamamento público voltado ao Teatro de Rua, a Secretaria Municipal de Cultura convidou o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, com o qual a Cooperativa Paulista de Teatro está parceirizada. Um mapeamento aponta para 40 grupos atuantes na Capital. Como o Tablado de Arruar entende o MTR-SP?


Tablado de Arruar — Quando participamos, na primeira etapa, a gente frisou que, sendo um encontro de grupos de teatro de rua, deveríamos, antes de tudo, pensar o nosso ofício, levantar discussões, nos conhecer melhor, vermos porque estávamos ali. Ser um movimento é fundamentar melhor as nossas idéias, ao invés de reivindicar necessidades concretas. Falava-se até em fazer uma lei de fomento para o teatro de rua. A gente discordou. Temos que usar nossas forças para a Lei de Fomento ao Teatro! Havia uma necessidade de fazer editais, festivais, mostras, overdose. Era um espaço voltado mais para realizações muito pragmáticas. Achamos melhor nos afastarmos. Agora, com a construção desse chamamento público da SMC, entraram em contato conosco e nós achamos importante estarmos lá, dialogando e buscando compreender o momento do movimento. Há grupos que não são do movimento, como é o caso do União e Olho Vivo, participando, não é?


Portal — O MTR-SP percebeu que, para se fortalecer ainda mais, deve se abrir ao máximo.


Tablado de Arruar — Tem que ser aberto mesmo. Um espaço de diálogo entre os grupos é muito importante — como também é o Arte Contra a Barbárie. A própria aceitação por parte da Secretaria Municipal de Cultura em aumentar a verba destinada a esse chamamento público mostra isso.
Portal — Conheça mais sobre o Tablado de Arruar em www.tabladodearruar.com.br.

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Entrevista com Alexandre Roit (em 09 de junho de 2005)

CB — Na tua nova fase, pós-Parlapatões, onde é importante a tua herança de rua?

AR — Em tudo! No México me abordaram, dizendo: nossa, que bacana! De onde você tirou essa idéia para fazer esse espetáculo? É um espetáculo de palhaço, onde eu misturo uma cena que era do "De Cá pra Lá, de Lá pra Cá", um espetáculo de sala, com técnicas de circo. Eu alterno números de circo com uma cena de teatro que amarra o espetáculo inteiro. Eu coloco o público inteiro para participar. É como se fosse uma partida de futebol, onde eu pego um cara da platéia para ser o jogador, outro para ser o goleiro, dois fazem a trave e o público é dividido em torcidas. Então, invariavelmente, o público inteiro participa do espetáculo. De onde surgiu esse espetáculo? É resultado de quinze anos de trabalho! Eu não sei nem se eu consigo fazer outro solo, depois desse. Eu não fiz nada novo, nesse espetáculo. A minha bagagem de 15 anos me ajuda a diminuir a minha possibilidade de frustração [risos], de surpresas desagradáveis, aumentar as chances de sucesso na boa relação com o público para o qual eu estou me apresentando naquela hora. Com exercício, com tempo, com hora de vôo se consegue identificar mais rapidamente para quem e em que condições se está fazendo, bem como o significado daquele lugar. Você antecipa algumas coisas. Não se chega simplesmente no lugar da apresentação, arma suas coisas, faz o seu espetáculo e vai embora. Você faz uma aproximação um pouco mais cautelosa, se procura saber para onde se está indo. E "saber" não é perguntar uma informação técnica, é conversar com quem está na praça. Você é o estrangeiro, o elemento estranho. Por mais que possam existir bons olhos, de quem está ali, naquele lugar, tem que se ter um procedimento muito cuidadoso e cauteloso para se manifestar e se posicionar. Então, a bagagem serve para isso mesmo: cada vez mais se tem um aproveitamento maior daquilo que se está fazendo, com menos esforço.

CB — Onde que o artista erra, quando se presta a fazer teatro de rua?

AR — Não há erro; há pouco aproveitamento.

CB — Não, erra mesmo. Seja na falta de comunicação, na elitização...

AR — Eu vou falar em erro se aquela manifestação for primeira, única e estanque. Se ela fizer parte de um processo, eu não acho que haja erro. Repetição nas falhas, permanecer na falta de qualidade de comunicação, aí você está incorrendo em erro. Conseguir estabelecer um processo dinâmico, de transformação, é primordial.

CB — Os Parlapatões partiram de um trabalho de rua. Vocês iam para a rua, como se diz hoje em dia, para "se jogarem no abismo".

AR — Naquela época, a nossa maior referência era o cara que está aí até hoje, o vendedor da pomada do peixe-elétrico, que fica horas vendendo pomadinha e vai pular o aro de facas. Eu cheguei a ficar 50 minutos assistindo o cara até ele pular naquela porra daquele arco de facas. Que poder de comunicação esse cara tinha com o público para segurar tanta gente por tanto tempo e sem, de fato, fazer nada, não é? Não tinha algo que ele fizesse que justificasse a presença daquelas pessoas. Mas ele conseguia criar uma expectativa, uma necessidade naquelas pessoas, de estarem ali, que era incomum. Isso foi, na verdade, o que nos inspirou. O que a gente acrescentou a isso foi o trabalho de palhaço e eu, especificamente, o de malabarista. Então a gente tentava trazer aquela urgência, aquela premência em comunicar para transformar aquilo que a gente estava fazendo em algo imprescindível para quem estava naquela roda, nos assistindo. A gente tinha que deixar a sensação naquelas pessoas de que, na hora que ela fosse embora dali, ela ia perder algo que ela nunca mais ia poder recuperar. E, acima de tudo, não é o que se faz, mas como se faz.

CB — Como você analisa a atual situação do teatro de rua?

AR — Eu tenho trabalhado muito e acompanhado pouco outras manifestações, mas a coisa que mudou menos, nos últimos quinze anos, que foi quando eu comecei a fazer teatro de rua, é o estabelecimento de circuitos regulares. Isso é um pouco responsabilidade dos grupos, que se rendem aos eventos e aos promotores dos mesmos. Pouco se forma público. Pouco se estabelece uma relação até de necessidade dessa manifestação cultural. Como se está sempre calcando nessa questão de eventos, é sempre assim que vai se estabelecer. Mas a verdade é que, também, hoje em dia se tem mais eventos do que se tinha há quinze anos atrás. Então o cenário mudou. Se foi para melhor ou para pior eu não sei avaliar. A gente vai conseguir avaliar isso daqui a quinze anos. A categoria como um todo, não somente o teatro de rua, vem se profissionalizando, tendo o entendimento de algumas obrigações que existem no que toca à qualidade, à ética, ao comportamento mesmo e de posicionamento. Tem coisas que o artista deve admitir e outras que ele não pode admitir de jeito nenhum. É o famoso "abrir as pernas" para algumas coisas que estabelece o mau hábito de quem contrata. O próximo que ele for contratar ele vai pedir isso, isso e isso e o artista vai dizer: "isso eu não faço". O contratante vai dizer: "como não? Há um mês atrás, o outro fez!" Aí o artista vai pensar: "será que só sou eu quem não faz?"... Isso é uma situação complicada. Mas vem mudando em muitos aspectos a atitude e o comportamento dos artistas. Mas uma coisa é fato: a gente — não só brasileiro mas latino-americano — continua ainda com uma atitude muito colonizada. De um ano para cá eu tenho viajado bastante. Estive na Colômbia e na Venezuela e agora estou indo para a Argentina e o comportamento que a gente reclama da gente aqui se vê nos outros países, também. O que vem de fora é sempre melhor do que se tem em casa. A grama do vizinho é sempre mais verde. Isso é a nossa história, é a história do nascimento dos nossos teatros e manifestações artísticas, que sempre foram baseados em modelos europeus e norte-americanos. Se a gente falar das elites culturais, elas estão com o olhar voltado para os modelos europeus. As atividades de massa estão voltadas para os norte-americanos. Inclusive nossos modelos econômicos são norte-americanos, não é? A maneira como a gente vive e mora, além da necessidade de consumir, isso tudo vem de um comportamento muito norte-americano. É a reprodução posta pelos meios massivos de comunicação que estão aí e a gente não tem como negar. Isso se transfere para a sociedade como um todo e também para a maneira como a gente encara o nosso fazer artístico, bem como para o nosso julgamento do que é bom e do que é ruim. Então a gente vai achar sempre que o melhor é o que vem desses modelos. Nem sempre é consciente esse julgamento, essa avaliação. Mas ela acaba sendo inerente. O esforço que a gente faz para assistir um grupo que vem de fora é muito maior do que a nossa disposição de ver coisas feitas nas nossas próprias localidades. A gente acha que com o de fora a gente vai aprender mais, vai ver coisas com mais qualidade. É quase inerente ao colonizado essa atitude.

CB — Não atuam também nesse sentido as próprias instituições que nos contratam?

AR — É. Mas eu não acho, também, que exista um "desfazer" da produção nacional. Há que se entender quais são as missões desses contratantes, que devem ter os seus estatutos que estabelecem o que eles devem buscar e eu acho que eles devem ser coerentes com essas premissas básicas. Eu não acho que eles julguem qualidade. Claro que eles têm que se preocupar com isso, porque na medida que eles começarem a trazer coisas com qualidade má, eles vão começar a ter menos credibilidade com as suas ações. Mas, ao mesmo tempo, na relação custo-benefício, entre uma coisa fantástica e inexpressiva brasileira e uma coisa boa e que vai dar mais mídia e reconhecimento estrangeiro, não é impossível que a escolha seja feita por essa produção estrangeira. É possível você colocar as duas coisas em comparação. Qual dos dois eu escolho? É possível ter essa dúvida. Não é tão óbvio assim. É lógico que tem que se escolher a coisa nacional porque, no mínimo, artisticamente é muito melhor do que a outra. Então, isso é justificativa suficiente para escolhê-la sem pensar. Mas não é só na qualidade artística que ele está pensando, mas também no retorno institucional que ele precisa ter para aumentar a credibilidade dele e trazer poder para ele. Ele precisa ter poder, não por ambição, mas por viver numa sociedade extremamente capitalista, cujo modelo financeiro e selvagem estabelecem esses paradigmas. A gente não tem como fugir muito deles.

CB — Então é importante que os artistas e grupos aprendam "jogar dentro das regras do jogo"?

AR — Eles têm que saber qual é o jogo e não necessariamente que eles tenham que abaixar as calças. Eles têm, sim, que se inserir nisso e ajudar a educar esses contratantes. Pode se estabelecer, sim, um outro paradigma sem perder qualidade e mantendo a credibilidade e a visibilidade. Achar outras formas de buscar essa visibilidade que as instituições precisam, mantendo a qualidade artística. Às vezes até num custo menor. Você podendo ampliar programações e esse tipo de coisa.

CB — Mas, mesmo dentro dessa preocupação com a chamada "lei do retorno", havendo preocupação com a formação de público, será que a gente não consegue reverter esse quadro? Se for mudada a forma do público ver a qualidade, conseqüentemente isso pode esvaziar platéias.

AR — É. Mas não necessariamente o retorno está no público, mas no reconhecimento dos formadores de opinião, que é uma elite pensante. Se eles e os meios massivos de comunicação derem uma atenção a isso, para eles é o suficiente. Não que, em uma segunda instância, não haja preocupação em atender o público ou a comunidade. Mas essa não é a primeira instância, porque se fosse não se colocaria em dúvida a possibilidade de trazer o melhor espetáculo ou o que dá maior visibilidade. O público, portanto, é uma das instâncias. Na verdade, eu não tenho como afirmar qual é a primeira instância. Quanto à formação de público, isso retorna à questão do evento, que dificulta a formação de público. Programas que são extensivos promovem a formação de público. Só que estabelecê-los na difusão artística vai na contramão de qualquer uma dessas instituições, seja privada ou pública. Existe uma burocracia inerente a essas instituições que vai contra o dinamismo que é estabelecer roteiros permanentes de difusão, porque esses roteiros precisam de adaptação, de transformação, mudança, estudo permanente, de um ir-e-vir, de um feedback constante de público. Não basta simplesmente se estabelecer uma logística para a circulação de espetáculos, um preço de ingresso, um dia da semana e acabou: aquilo vai rodar sozinho, como qualquer máquina pública ou qualquer script de telemarketing. Não tem como, isso é um processo dinâmico. Vai se ter que jogar isso para o público, fazer uma avaliação disso, ver onde houve falhas e acertos, num segundo momento vai se ter sempre outras influências, de outras manifestações massivas. E a gente não está falando em cultura massiva, a gente está falando de coisas mais específicas. Então, é muito tênue essa relação que se estabelece com a comunidade, de uma cultura que não é de massa. Ela é sempre muito frágil, está sempre um pouco submetida às intempéries das outras manifestações – sejam as massivas, seja o jogo de futebol, uma copa de mundo ou um evento regional esportivo, não precisa nem ser cultural. Seja um feriado, sejam características específicas daquela região. Isso impossibilita a criação de modelos, o que vai na contramão de qualquer órgão público, que precisa criar modelos, porque ele tem funcionários que, nas suas 40 horas semanais, precisam saber exatamente o que eles vão fazer da primeira até a última hora. Então é um paradoxo, na verdade.

CB — A Itinerância da Rede SESC é um evento?

AR — É um evento, que estabelece uma logística que começa no primeiro dia e termina no último. No caso do SESC é um evento com um pouco mais de qualidade, que dá a possibilidade de o público ser a primeira instância, na opção de quem está estabelecendo o conceito dessa itinerância, não é? Dá para arriscar a dizer que sim, o público pode ser a primeira instância.

CB — De julgar o espetáculo com sua presença ou ausência?

AR — É, eu acho que sim. Primeiramente, se está estabelecendo parcerias com as municipalidades. Assim, se está colocando um pouco esses organismos desses municípios ligados à Cultura em movimento, em atividade – o que, para eles, é sempre muito difícil, porque a oferta de coisas legais é bem menor, até por questões financeiras mesmo. O SESC ajuda um pouco esses municípios a saírem dessa inércia da não promoção, não é?

CB — Você tem uma opinião sobre o que é que está faltando para que se estabeleça um processo de criação de formação de público para o teatro de rua? Você conhece o Movimento de Teatro de Rua de S. Paulo?

AR — Eu já conheço. Nunca me aproximei muito porque, da minha saída dos Parlapatões para cá, o meu foco mudou muito. O meu foco, que era extremamente coletivo, passou a ser individual e, de três anos e meio para cá, é como se eu tivesse recomeçado do zero. Isso tudo, apesar de eu ter trabalhado com a Central do Circo, o La Minima, La Plat du Jour, entre outros.

CB — Mas o teu histórico também se compõe com uma bagagem de rua, não é?

AR — Tanto que eu estou fazendo, no último ano e meio, um espetáculo-solo de rua, chamado "Pelada na Rua", com o que eu estou viajando um montão. E, voltando para o princípio de que "a grama do vizinho é mais verde", eu já mandei esse espetáculo para um monte de festival no Brasil e não vou para nenhum deles. Fiz um único festival aqui, que foi o de circo, ano passado, em Belo Horizonte. E, como au-concour, eu fiz um outro, em Dourados, competitivo, de monólogos. Fora esses, todos os outros festivais para os quais eu mandei, me recusaram. Por outro lado, das tantas vezes que já fiz esse espetáculo, ele foi apresentado mais vezes em espanhol do que em português, porque eu faço ele mais fora do Brasil do que aqui dentro. Eu não estou chorando pitanga; eu estou só fazendo uma constatação: fiz meu espetáculo mais fora do que dentro do meu país.

CB — E quanto à questão da formação de público para o teatro de rua? O MTR-SP tem essa possibilidade de se articular politicamente como é o caso, por exemplo, desse convite vindo da SMC de S. Paulo para elaborar em conjunto o primeiro edital de teatro de rua para a cidade ou até mesmo do interesse, por parte dela, em editar em livro o acervo do movimento. Como, na tua opinião, se pode fazer o público perceber que o artista de rua é um profissional que vive disso, que não está na rua por brincadeira, que não é uma questão de mera falta de espaço no palco italiano?

AR — Em primeiro lugar, a gente está numa cidade que tem uma série de deformações. S. Paulo é uma metrópole considerada a quarta maior cidade do planeta. Então, o que acontece aqui não é muito referência para o resto do país. São muito específicas as coisas que acontecem, aqui. E essa é a minha grande questão: a gente vive num país continental. As necessidades e especificidades de cada região são muito diferentes. Mais do que tudo, existe sempre uma tentativa de os artistas se concentrarem nos lugares onde existe uma maior circulação – o que acaba deixando orfãs uma série de regiões. A gente tem um monte de vazios demográficos e culturais também, nos quais seria imprescindível você ter manifestações artísticas, porque absolutamente não têm. Há quantidade de cidades que não tem teatros ou cinemas. Aí eu devolvo a pergunta: o que quer essa quantidade de artistas que estão aqui, se apertando, se acotovelando numa cidade como S. Paulo? Eles querem espaço para suas manifestações artísticas? A gente vive num país de dimensão continental! Por que essa necessidade de ser aqui em S. Paulo? Você tem ene-mil lugares extremamente carentes e ávidos...

CB — E quem paga isso?

AR — Eu não sei quem paga isso! Se a necessidade for acumular patrimônio, ganhar dinheiro e ser rico, então, sim, talvez eles tenham que estar em S. Paulo.

CB — Eu estou me referindo a eles poderem viver disso.

AR — É possível, sim, viver disso. Eu tenho certeza de que é possível estabelecer-se em regiões com essa carência cultural e, num primeiro momento talvez, você ter a necessidade de fazer um investimento. Mas, num segundo momento, se se tiver um trabalho de qualidade, sério, que passe pela formação e difusão, acaba-se tendo uma referência. A gente está num país a ser explorado. É um país novo, virgem. Ninguém tentou. Quem tentou, de fato? Onde tem manifestações, as coisas estão acontecendo. Talvez, a uns anos atrás, se olhássemos para Minas Gerais, disséssemos: puxa, ali não tem nada. O Galpão foi lá e investiu, deu a cara para bater e hoje é referência internacional. É coincidência a quantidade de outras manifestações nesse sentido, com a mesma região? Eu não acho.

CB — Mas, com o teatro de rua, a questão é que, muitas vezes, o público não sabe que isso existe. Não se percebe, nele, uma necessidade por teatro de rua.

AR — Mas "saber que existe teatro de rua", para mim, é um paradoxo, porque a coisa mais essencial do teatro de rua é que ele exista e não que o público tenha que saber da existência dele. Ele tem que passar a existir e fazer parte da vida das pessoas para que as pessoas identifiquem aquele signo, aquele código e saibam o que esperar daquela manifestação. Não que o público tenha que saber no sentido de "ah, onde eu vou ver um espetáculo de rua, hoje?".

CB — Esse o objetivo, hoje. Estabelecer-se um ponto, como já ocorre em Santiago do Chile, na Colômbia ou em Buenos Aires, que é um lugar em que o público sabe que ali tem teatro de rua.

AR — [risos] Uma revista com a programação semanal do Teatro de Rua, para mim, é um pouco ir na mesma direção dessa necessidade comercial que eu estou tentando negar, que eu acho que a gente precisa um pouco combater.

CB — Você começou a sua história na rua. Eu não sei se você sabe que, pelo menos até a administração passada, era comum que o artista fosse obrigado a pagar para se apresentar na rua. Algo em torno dos 70 reais. Hoje, com a Lei do Fomento, o Tablado de Arruar conquistou o direito de não pagar essa taxa.

AR — Eu acho nobre, "bonito" isso. [risos]

CB — Não é bonito, não é fácil fazer teatro de rua, não é uma coisa espontânea, como deveria ser. Então é nesse ponto que eu estou buscando a tua opinião. O que é que você pensa sobre uma articulação política entre os artistas e grupos de rua, para que se forme um corpo por meio do qual seja possível pressionar o poder público. Em decorrência do que você mesmo falou anteriormente, a iniciativa privada só poderá ser atraída mais tarde, quando o nosso público estiver formado. Nesse primeiro momento, os entraves estão acontecendo com o poder público.

AR — É, deve haver uma articulação no sentido de fazer o poder público entender que é um absurdo a gente ter que pagar para trabalhar. O poder público tinha que, ao contrário, criar espaços para que a gente possa trabalhar. E eu não estou pedindo cachê; eu estou pedindo condições. É uma inversão de valores absurda, acho que isso é quase inconstitucional. Eles me cobram para eu poder dar! [risos] Eu estou pagando para poder dar alguma coisa. Eu já pago imposto, cara! Que história é essa? Como assim? Eu vou pagar para poder exercer a minha profissão? Que é isso, que equívoco é esse? Quem pagou, que eu vou lá, dar porrada?

CB — [risos] Agora é o poder público que paga para o Tablado de Arruar estar na rua, inclusive ensaiando. É uma inversão, não é?

AR — Quem cobrava?

CB — A subprefeitura da Sé.

AR — Então, a gente tem que ver que não é a subprefeitura que está pagando o Fomento, pago por outra instância pública. Há um equívoco de quem deixou, de quem pagou isso. Tinha que ter explicado para a subprefeitura da Sé o equívoco que estava havendo ali. Eu não sei se ainda está assim, mas o Depav não permitia que houvesse nenhum tipo de espetáculo nos parques, como o Ibirapera ou o Parque do Morumbi. Houve, durante um tempo, a orientação de não permitir. Quando o Celso Frateschi assumiu a Secretaria Municipal de Cultura — o que, na verdade, nem acabou se articulando —, em conversa informal pensou-se na possibilidade de se estabelecer um credenciamento para os parques. Se você quisesse se apresentar nos parques, a Secretaria te avalizava, dizendo "esse é um artista de rua da cidade de S. Paulo, que tem todo o direito e autorização de apresentar seu espetáculo em qualquer espaço e logradouro público", desde que não infringisse nenhuma lei e não atrapalhasse o andamento e a boa ordem do local. E o cara estava autorizado a se apresentar onde quisesse. Na minha cabeça, deveria ser isso: estabelecer um procedimento para isso. Também para que não seja qualquer um, desses picaretas que a gente sabe que tem por aí, que sabe que pode chegar lá e se apresentar, então todo mundo faz o que quiser, onde quiser, na hora que quiser.

CB — O que mais os grupos de teatro ainda fazem, no que diz respeito à suas montagens, é "vamos fazer, depois a gente vê como faz para vender". Isso é um erro crasso – ainda mais dentro da estrutura capitalista de que você já falou. É morrer na praia. Pegando como exemplo o teu "Pelada na Rua", como é o teu processo da criação à produção? Quais são os passos que você dá até a viabilização do seu trabalho?

AR — Se você estiver voltado somente para a estrutura capitalista, com certeza é um erro crasso.
CB — Como assim? Você não vende o seu trabalho?

AR — Sim, eu vendo o meu trabalho. Esse é o meu primeiro espetáculo-solo, eu nunca fiz outro. Eu não tenho um modelo de produção.

CB — No entanto, você parece ser um cara bem articulado no que toca a se vender.

AR — Sim, porque eu tenho que fazer isso, também. A questão é: qual é a sua premissa básica? De onde você parte? Qual é a ordem de importância das coisas que te fazem se movimentar? Eu não tenho isso teorizado. Na prática, em maio do ano passado, eu estava com uma viagem para a Europa, onde eu ia passar dois meses trabalhando sob contrato, dentro do Fórum Cultural Mundial, em Barcelona. Eu estava indo para um lugar que eu acredito ser terreno fértil para se apresentar na rua, não é? Eu não quis sair do Brasil só para ser funcionário na Europa, se fosse só para isso, eu passo! Há 15 anos atrás talvez eu tivesse essa disposição, hoje em dia não mais. Então eu montei esse espetáculo para ter algo meu, para levar a minha identidade também. Depois eu descobri que a minha identidade foi incorporada dentro do trabalho que eu fui fazer, o que para mim foi muito gratificante. Mas eu queria levar algo genuíno, original, e eu consegui fazer isso. Fiz menos apresentações do que eu gostaria, do meu espetáculo, porque acabei tendo muita atividade, mas eu consegui me estabelecer de uma certa forma. Depois de ter feito esse espetáculo em italiano, francês e espanhol, voltei para o Brasil e logo depois fui para o México. Eu não sei te explicar como, mas esse espetáculo tem acontecido, ele tem sido vendido, também. Quer saber se eu parti de uma premissa capitalista, mercadológica, financeira? Não.

CB — Eu te pergunto se, ao produzir um espetáculo de teatro de rua, você já está pensando em como vendê-lo.

AR — Como esse é o meu primeiro espetáculo-solo de rua, Carlos, eu digo que 100% dos meus espetáculos de rua não partiram dessa premissa! [risos] A segunda experiência minha, nesse sentido, foram as duplas de Quixote e Sancho Pança que eu fiz, agora, na Itinerância do SESC. Isso foi estabelecido de uma maneira completamente diferente. O SESC me perguntou se eu faria para eles essa criação, eu aceitei e juntei dez atores e para cada um montei uma cena. Depois, cada dupla copiou cenas das outras duplas, para apresentarem em cidades diferentes, sem o risco de repetições. Ou seja, os dois trabalhos de rua que partiram de mim têm origens e objetivos diametralmente opostos, entende? A nossa obrigação, como artistas, é a de entender em que contexto está inserido o nosso trabalho. Entender ao que se presta o que se está fazendo. Parar com o discurso preestabelecido de que o meu trabalho é assim-assim-assado. Aliás, evitar discurso preestabelecido, porque a cada vez que a gente manda uma bomba, é comum vir um tsunami na direção contrária. Você diz: isso eu não faço! No momento seguinte, você está fazendo e, às vezes, nem se dá conta. Para isso eu não me vendo! E daqui a pouco você não só se vendeu, como cobrou barato. Vale mais a pena evitar discurso e entender aonde se está, de onde se está vindo e para onde se está indo. Não deixar de estabelecer objetivos mas ter a flexibilidade para escolher caminhos dentro da ética, mais do que tudo.

CB — Atualmente tem se percebido nas ruas manifestações teatrais com propostas com formas que não se comunicam bem com o popular, com o cidadão que não tem tempo, está muito envolvido com os problemas do tic-tac cotidiano, e que de repente se vê atraído por uma coisa que rasga o seu cotidiano, que interfere na sua rotina. E nesse sentido que eu acho que o teatro de rua funciona.

AR — Mais do que isso, o que dá o diferencial e a possibilidade dessa interferência que você diz não é o que, mas o como se faz. Eu pude confirmar isso com o trabalho que a gente está fazendo com a Itinerância do SESC, onde a gente está trabalhando com uma obra que tem 400 anos. A grande parte das pessoas, na verdade, nunca leram "Dom Quixote e Sancho Pança". Livro, no nosso país, é peso de porta ou de papel. O que eu fiz foi identificar os arquétipos do palhaço que existem no Quixote e em Sancho Pança. Então, chegar com uma intervenção, falando assim, parece um pouco impositivo. Só que a gente conseguiu estabelecer uma maneira de se comunicar, usando as palavras do Cervantes, que têm uma força surpreendente. Aí, sim, eu tenho a presunção de me dar o mérito de conseguir lançar mão da minha bagagem de 15 anos, do melhor dessa comunicação para falar os textos do Cervantes. E eu estou muito gratificado com o resultado e surpreso pelo fato de o texto não ser a coisa mais digerível do planeta. Que força tem a poesia do cara na rua! É impressionante.

posted by Núcleo de Teatro de Rua ELT at 5:12 AM | 0 comments

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