AMOR MONTADO NO TEMPO - Sonoridades Amorosas
Por Cristiano Gouveia
PRÓLOGO
O Núcleo de Teatro de Rua da Escola Livre de Teatro, ao final do ano de 2005, iniciou um processo de pesquisa, tendo como fonte um tema e uma linguagem. A provocação lançada ao grupo por Ana Roxo, coordenadora do núcleo, era de que o tema fosse o AMOR. E que os trabalhos práticos se desenvolvessem buscando sempre uma linguagem SUTIL na rua, buscando assim, dentro dessa sutileza, não cair de cara na primeira imagem que nos vem à cabeça quando se fala em teatro feito na rua, nas pernas de pau e nas grandes personagens eloquentes.
À medida em que cenas e intervenções eram criadas e improvisadas pelos atores à partir do tema proposto, surgiram também algumas necessidades.
DO SILÊNCIO AO SOM
A pesquisa sonora dentro do Núcleo, surgiu à partir de uma dessas necessidades do grupo, à medida em que o canto, a música e as primeiras células de percussão começaram a surgir.
À convite da Ana (a quem agradeço muito por abrir essas portas), iniciei com o grupo um trabalho musical, utilizando como base de nossa pesquisa a voz e seus desdobramentos no canto e na fala. A partir desse primeiro passo, surgiram as primeiras dúvidas: quais as diferenças entre a fala do ator dentro do teatro e na rua? Como cantar? Como podemos nos utilizar da sutileza na rua? Há espaço para o silêncio?
NA COVA DOS LEÕES
Embriagados por essas e outras questões, nasceu o espetáculo O AMOR MONTADO NO TEMPO, composto atualmente de três peças: Boneca de Madeira, Começo do Caminhar e Quem Paga o Pa(c)to?, onde poderíamos, enfim, experimentar, experienciar todas essas provocações na nossa "cova dos leões", frente ao público. Não aquele público que se pré-dispõe e paga seu ingresso e vai assistir dentro de um espaço fechado, mas aquele que se dispõe no exato momento em que decide assistir e não continuar caminhando pela rua.
Em Quem Paga o Pa(c)to?, peça que narra os enlaces e desenlaces de um casal, a proposta sonora vem de encontro com o velho ditado: "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher." Então, toda sonoridade que a peça precise, é executada vocalmente pelos dois atores em cena. Apenas no início, onde não há ainda o pacto, há uma música cantada pelas personagens Ademir e Giovanni, dois amigos, desses de buteco. Após o encontro de Ademir e Dulce, e seu casamento, não há música, efeito sonoro, que não venha das vozes do casal.
No decorrer , há somente uma trilha gravada, uma música do Roberto Carlos mixada com um jogo de futebol. A trilha externa vem neste momento, por ser o momento da descoberta de como o tempo (fator externo) pode corroer esse pacto. Mas mesmo a trilha gravada é operada pelos dois atores.
Em Boneca de Madeira, que conta a trajetória de 3 mulheres, a vontade era levar a provocação inicial de como utilizar o sutil na rua à fundo, abusando dos sons de pequenos sinos, escaleta, e, principalmente, do silêncio. Afinal, na trama uma das personagens, depois de experiência traumática, não fala. Emudece. E resolvemos levar esse silêncio pro todo. Mas é possível silêncio na rua? Essa pergunta ainda nos provoca, mas com as experiências práticas nas apresentações, mesmo que ainda sem resposta clara, constatamos que o silêncio SIM pode estar presente, pode ser construído em nossa roda nas praças por aí. Um silêncio como caminho para abrir nossa escuta.
Outra vertente era essa voz que pode ser mandada pra roda do público, ou simplesmente numa conversa, uma relação com dois ou três, pequena, sem esquecer do todo, mas confiar também nessa relação.
E cantar. Cantar canções, sejam elas existentes (como a "Nuvem de Lágrimas"), sejam elas criadas para o tema (como a canção "Ana, Humana", canção criada por mim para outro projeto que não vingou, e que se encaixou perfeitamente nesta história, mudando até o nome da personagem), infantis (como "Santa Clara"), ou canções que vão silenciando à medida que se é tocada (como a "Cortei o Dedo", tema da personagem que não fala). Para serem acompanhadas por um violão nas mãos de um homem, ora apenas músico, ora personagem, que entra para dar o contraponto nesse universo de trajetórias femininas criado dentro da roda
Por fim, em Começo do Caminhar, peça que fala de um menino, sua mãe e um homem "perfeito", e a relação entre eles, deles com o mar, e seus desdobramentos, a opção de sonoridade foi escolher uma única canção, a música "Lugar Comum", de Gilberto Gil, e também brincar com seus desdobramentos dentro da peça. É a música que a mãe sempre cantou para o filho, que acompanha essas pessoas desde suas infâncias. Como diz a canção: "tudo isso vem, tudo isso vai pro mesmo lugar de onde tudo sai."
Ainda em temporada, AMOR MONTADO NO TEMPO, tem um retorno positivo, até pra visualizar pontos que ainda não tocamos, ou que tocamos pouco. E que questões como a utilização da fala, busca de projeção da voz em geral, como melhor utilizar cada espaço que se chega, ainda estão presentes na nossa pesquisa musical.
E nosso grande passo é de que, antes leões, percebemos o público agora como parceiros construtores desse nosso começo do caminhar do núcleo de teatro de rua.
posted by Núcleo de Teatro de Rua ELT at 7:53 AM | 1 comments
Tuesday, June 13, 2006
Algumas considerações sobre Commédia Dell' Art
Fontes:
"Commedia dell’arte: an actor’s guide" de John Rudlin
http://www.jc.uol.com.br/noticias/ ler.php?codigo=11570&canal=125
http://www.videotexto.tv/commedia_dellarte.html
http://www.commedia-dell-arte.com/
http://shane-arts.com/commedia-stock-characters.htm
*Movimento da commedia dell’arte se inicia na segunda metade do século XVI, a partir das feiras, durante o renascimento comercial. Ali se encontravam vendedores que tinham grande habilidade apelativa, charlatães que vendiam poções e remédios milagrosos. A tradição dos carnavais, principalmente em Veneza, também influenciou a comédia dell’arte, com suas máscaras, sua comicidade. Há autores que consideram uma certa descendência no teatro popular latino (p. ex. Plauto).
*Durante o carnaval, nenhum homem usando máscara podia carregar nenhum tipo de arma consigo (costume habitual na época), pois considerava-se que um homem de máscara havia se despojado de sua identidade cotidiana e assumido outra persona de tal maneira que não poderia ser totalmente responsável por suas ações.
*Assim que surgiu e por algum tempo, a commedia dell’arte não era conhecida como tal. Outros termos eram usados como commedia degli zanni, commedia a soggetto, commedia all’improviso, commedia all’italiana. A denominação commedia dell’arte foi disseminada, no século XVIII, por Carlo Goldoni.
*No final do séc XVI e mais posteriormente, a commedia dell’arte tinha como principais características: uma estrutura profissional, a utilização de máscaras, a apresentação ao público em lugares abertos, ao ar livre. Na mesma época existia a chamada comédia erudita, que era feita por diletantes, além de não utilizar máscaras e ser apresentada em espaços fechados, geralmente para integrantes da corte.
*A commedia dell’arte pode ser considerada um fenômeno social já que, de maneira pioneira, há a escolha de uma identidade profissional dentro da sociedade no sentido de comprometer-se com a arte. Um fenômeno artístico e social.
*As técnicas performáticas foram sendo transmitidas, sucessivamente, para os membros mais novos na trupe. Essa transmissão foi se dando ao longo de quase um século.
*Havia grandes companhias. Uma das primeiras, constituída em 1545, am Pádua, se chamava "Zanini", ainda não havendo no início récitas totalmente calcadas no improviso ( como mais tarde se dará).
*A commedia dell’arte cresceu como arte de origem popular, sendo somente mais tarde transformada em convenções adotadas por autores renomados.
*Como a Itália só se unificou no séc XIX, a commedia della’arte teve diferenças regionais nos dialetos utilizados, nos personagens de maior sucesso em dada região, além de personagens menores que eram apresentados só em algumas regiões.
*A MÁSCARA CONCILIA EM ASPECTOS DIVERSOS DE CARÁTER E TRAZ EM SI UM PARADOXO. Diferentes pólos contidos na máscara.
*A commedia dell’arte exigia do ator uma disponibilidade de corpo e mente. O ator dominava a arte do gesto e do movimento.
*Os espetáculos da commedia dell’arte eram criados coletivamente, a partir de roteiros (canovacci) contendo referências sobre o encaminhamento e os pontos-chave da trama, além de indicações de entradas e saídas de atores. permitia ao ator ou atriz desenvolver sua personagem de modo contínuo. A idéia baseava-se na composição de um repertório variado para o tipo, capaz de satisfazer ou de contornar situações imprevistas e momentâneas. O que significava, de certo modo, uma improvisação previamente concebida e estudada. O esquema básico do canevás, verdadeira peça-sinopse, articulava-se em torno dos seguintes personagens: a) os pares quase sempre inescrupulosos de uma ciranda amorosa, em que A desejava B, que amava C, que pretendia D, que se apaixonara por ª Esses pares jogavam com o lado mais sério do enredo; b) os zanni, derivados dos mimos e bufões latinos, representando empregados domésticos, valetes ou lacaios - Briguela, um jovem astucioso, arguto e aproveitador (do qual nascerá Fígaro); Arlequim, o ignorante, vadio, preguiçoso e glutão, quase sempre trapaceado por Briguela, mas que incorporou mais tarde dons musicais a fim de se tornar gracioso e elegante; e Pulcinella, Polichinelle ou Polichinelo, respectivamente as versões napolitana, francesa e lusitana de Maccus, personagem antiqüíssimo da farsa romana, o mais sofisticado, belicoso e cruel dos empregados, personagem sem fé nem lei; c) os velhos - Doutor Graziano ou Balanzon, médico ou advogado, pedante e estúpido, e Pantaleão, o negociante de Veneza, um amante ridículo, libidinoso, por vezes avarento, por vezes ferino ou gozador; d) o Capitão, figura de soldado cheio de empáfia, fanfarrão (por referência, na época, aos invasores espanhóis), descendente de miles gloriosus greco-latino, e que se revela covarde em momentos decisivos de conflito. Recebeu nomes locais como Spavento, Matamoros, Scaramouche ou Fracasso; e) a criada ou serva, cúmplice de uma das enamoradas, conhecida como Franceschina, Olivetta ou sobretudo, Colombina, mais esperta ou sagaz do que propriamente cômica, e que acabará se casando com um dos zanni. Com exceção dos amorosos, todos os demais se caracterizam pelo porte de máscaras propositamente disformes, carnavalescas, em cores distintas: estampas diversas para Arlequim, verde e branco para Briuela, preto e branco para Pulcinella, preto para o doutor e vermelho para Pantaleão. Os enamorados eram considerados máscaras apesar de não usarem máscaras, pois são tipos fixos, de caráter fixo.
*No partido ridículo ficavam os velhos cômicos (Pantaleão e o Doutor), o Capitão e os criados (ou zanni, como Scaramuccia ou Escaramuche, Pulcinella ou Polichinelo, Scapino e Truffaldino), que ainda se subdividiam em primeiro zanni (criado esperto, que conduzia a trama) e segundo zanni (criado ingênuo e atrapalhado). O mais famoso personagem da commedia dell’arte é um criado, o enigmático, astuto e insolente Arlequim (Arlecchino).
*Uma mudança revolucionária para a época e definitiva para a história do teatro foi a incorporação cênica das mulheres. Menciona-se Lucrezia, de Siena, como a primeira atriz a participar de uma trupe de comdiantes, em 1564, durante uma apresentação em Roma.
*PERSONAGENS:
Zanni – Diminutivo de Giovanni. Eterno desafortunado, sem posses. Costumam se apropriar do que é alheio (principalmente malas, cartas,...). Têm forte instinto de sobrevivência.
BRIGHELLA: Primeiro zanni. Sempre mantém seu status, é vaidoso. Faz intrigas, consegue comida através de truques. Servo inescrupuloso, sempre está em par com o Arlechino. Se move rapidamente, é ágil.
ARLECHINO: Pueril, é o criado que faz par com Brighella. Tem memória curta (não guarda mágoas), está sempre com fome. É dinâmico, parece ter urgência nas ações físicas. Tem poderes mágicos.
Magnífico – O velho apaixonado, pai de alguma enamorada que deverá ser enganado durante a trama.
PANTALONE – também chamado de Petulon, Pultruzon, Pianzamelon, Zanobio, Pandolfo, Lattantio. Sua máscara representava o típico burguês em ascensão na época - capacidade de negociar, sua tendência a acumular bens, sua avareza. Não tratava bem os criados (os zanni). Aparecia na trama geralmente como um impedimento da ação. Alguns lazzi: lazzo do teste de urina, lazzo da impotência, lazzo da extração de dente
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